Revisitando o Concílio Vaticano II

Os anos de 2022 a 2025 marcam o 60º aniversário do Concílio Vaticano II. Convém neste espaço, ainda que de forma rápida, um olhar atento aos documentos desse evento fundamental para a trajetória moderna da Igreja Católica. A partir do interior desta última, podemos destacar três textos relevantes desse processo histórico, tão atual quanto o era há 60 anos: sua identidade, com a Lumen gentium, constituição dogmática sobre a Igreja; sua abertura de horizontes, com a Ad gentes, decreto sobre a atividade missionária da Igreja; e seu compromisso com a “questão social”, com a Gaudium et spes, constituição pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje.

No corpo da Lumen gentium, encontramos um subtítulo que aponta para o nascimento de uma nova visão da Igreja: o conceito de “o povo de Deus” (LM, capítulo II). Até o alvorecer dos tempos modernos – e ainda hoje em alguns setores e/ou lugares – quando se falava da Igreja, logo vinha ao pensamento o templo em que as pessoas se reúnem, ou os ministros ordenados. Com frequência, confundia-se, e ainda se confunde, a Igreja com a hierarquia, emergindo naturalmente a imagem da pirâmide. A noção de “povo de Deus” rasga esse véu ilusório, para mostrar a verdadeira identidade da Igreja, a qual, aliás, vem de uma leitura apropriada da Sagrada Escritura.

O decreto Ad gentes, por sua vez, insiste sobre outra característica constitutiva do povo de Deus: “A Igreja peregrina é por sua natureza missionária”(AG, Capítulo I). Se é verdade que o Reino de Deus não se reduz à Igreja Católica, tampouco esta pode se reduzir àqueles que dela fazem parte com regularidade. A Igreja se mantém aberta a horizontes insuspeitados, na tentativa de incendiar novos corações com a Boa-Nova do Evangelho. Desse entendimento resulta a energia que moveu missionários e missionárias por todo mundo. E resulta, também, a insistência do Para Francisco na “Igreja em saída”, ao encontro dos que habitam os porões, as periferias e as fronteiras da sociedade.

Da Gaudium et spes, por fim, não seria exagero classificá-la como a “carta magna” do ensino social da Igreja. “O gênero humano encontra-se hoje em uma fase nova de sua história, na qual mudanças profundas e rápidas estendem-se progressivamente ao universo inteiro (…). Já podemos falar, então, de uma verdadeira transformação social e cultural, que repercute na própria vida religiosa” (GS 4). Espantoso o modo como essas palavras se adaptam às primeiras décadas do século XXI. Jamais as mudanças foram tão “profundas e rápidas”, tão velozes e vertiginosas que temos de correr atrás das inovações e impactos da ciência e da tecnologia.

O que fazer diante dessa velocidade alucinada? Tornar o nosso olhar, sensibilidade e solidariedade semelhantes aos de Jesus de Nazaré: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo” (GS, 1). Ou seja, na dúvida, como dizia Dom Hélder Câmara, fique com os pobres. Por mais que os apelos estridentes e as novidades diárias nos atropelem, o olhar fixo em Jesus e nos pobres constitui uma bússola que nos ajuda a orientar a ação sociopastoral.

guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
Veja todos os comentários