Refletir sobre espiritualidade é, em grande parte, refletir sobre discernimento. Somos chamados a reconhecer a importância de fazer escolhas corretas em nossa vida, especialmente quando somos confrontados com as propostas de Deus e os valores sedutores do mundo. A Palavra de Deus ilumina nossa inteligência e nos convida a uma análise criteriosa das opções que se apresentam diante de nós. Cada decisão, por menor que pareça, pode se tornar um passo na direção do bem ou um desvio para longe do caminho de Deus. Refletir sobre o discernimento não é algo teórico ou distante, mas profundamente ligado ao cotidiano e às escolhas mais concretas que moldam quem somos e a quem servimos.
No livro do profeta Jeremias (17,5-8), encontramos um alerta muito atual: “Maldito o homem que confia no homem e faz da carne a sua força”. A advertência não é uma negação das relações humanas, mas um convite a ir além delas, a colocar nossa confiança em Deus como fundamento da existência. Há promessas que o mundo nos oferece – sucesso, poder, prazer imediato – que parecem seguras, mas são frágeis como areia. Jeremias nos recorda de que bem-aventurado é aquele que deposita sua esperança no Senhor: ele é como uma árvore plantada junto às águas, que permanece verde mesmo em tempo de seca.
No Evangelho segundo São Lucas (6,20- 26), as Bem-Aventuranças são apresentadas como um verdadeiro código de ética para quem deseja viver em sintonia com Deus. Jesus proclama felizes os pobres, os que choram, os que têm fome e os perseguidos por causa do Reino. Sua mensagem não é mero consolo espiritual, mas um chamado a tomar posição: A quem queremos seguir? A vida cristã não é passiva; exige decisão, coragem e testemunho. Não basta admirar as palavras de Jesus – é preciso incorporá-las e deixar que transformem nossas escolhas e atitudes.
O Papa Francisco insistia no valor do discernimento. Ele dizia que discernir é “buscar o que agrada ao Senhor”, pedindo ao Espírito Santo que ilumine nossos passos. No cotidiano, isso significa perguntar-se: o que me aproxima mais de Deus? O que me ajuda a amar mais? Na exortação Gaudete et exsultate, ele lembra que a santidade não é feita de grandes feitos extraordinários, mas de pequenas escolhas diárias, silenciosas e concretas, que orientam nossa vida para o bem e para os irmãos.
Santo Inácio de Loyola nos ensina que discernir é perceber os movimentos interiores da alma: o que vem de Deus traz paz, serenidade e nos impulsiona para o amor; o que vem do inimigo nos deixa agitados, inseguros e confusos. Essa sabedoria prática é fundamental para que não sejamos levados por promessas ilusórias, mas permaneçamos enraizados na vontade de Deus. O discernimento inaciano é como uma bússola espiritual: ajuda-nos a distinguir a voz de Deus no meio do barulho do mundo, indicando a direção do caminho que nos conduz à vida plena.
Diante das inúmeras decisões de cada dia, somos convidados a perguntar: quais são os valores que realmente guiam minhas escolhas? Estou disposto a renunciar às falsas seguranças para abraçar os valores eternos do Reino de Deus? A resposta não é imediata; exige silêncio interior, oração, reflexão e abertura ao Espírito Santo. É nesse diálogo com Deus que encontramos luz para o caminho. Devemos sempre recordar que discernir é aprender a escutar a voz de Deus que fala em nossa consciência e nos conduz à vida verdadeira.
Ao colocar nossa esperança no Senhor, descobrimos que a verdadeira alegria não depende das circunstâncias externas, mas brota da certeza de sermos amados e guiados por Ele. Essa alegria é capaz de sustentar nossa vida mesmo nos momentos de aridez, pois nasce da fonte inesgotável do amor de Deus.
Cada tempo da nossa vida é uma oportunidade para rever escolhas e renovar nossa adesão ao Evangelho. Quando optamos pelas Bem-Aventuranças, encontramos a felicidade verdadeira e nos colocamos a caminho da eternidade. A sabedoria, afinal, é exatamente isto: escolher, a cada dia, aquilo que nos aproxima mais de Deus e de nossos irmãos.