Santos, bruxas e fantasmas

Por estes dias, falou-se amplamente da “celebração” do Halloween, uma certa “festa das bruxas e fantasmas” de raízes pagãs, talvez céltica, que se vai sobrepondo sempre mais à comemoração de Finados, de origem cristã, que é a lembrança dos falecidos na fé, na oração e na esperança da vida eterna. Há nestas duas “celebrações” a contraposição de antropologias diversas e, lamentavelmente, até entre os cristãos, tende-se a esquecer a sua esperançosa visão antropológica sobre a existência humana. Os falecidos não viram fantasmas depois de morrer e nós os entregamos à misericórdia de Deus, para que tenham o julgamento sobre suas vidas e recebam a vida eterna como recompensa pela sua fé e pelo bem que praticaram.

Mais ainda: Halloween tende a se sobrepor à festa solene de Todos os Santos e Santas, que a Igreja também celebra no início de novembro. Mais uma vez, a visão cristã sobre os Santos nada tem a ver com mitos e fantasmas que estão pelos ares, prontos para assustar e apavorar os vivos. Os Santos e Santas que a Igreja Católica celebra são pessoas reais, que viveram num determinado lugar e têm uma história pessoal e um testemunho de vida cristã de alto valor. Os Santos são os grandes cristãos, que se destacaram por viver de maneira exemplar os ensinamentos do Evangelho e se dedicaram generosamente à vida e à missão da Igreja.

Os Santos da Igreja não são mitos criados pela fantasia humana, como especialistas para conseguirem alguma vantagem específica para os mortais, que a eles recorrem em suas necessidades e aflições. Os Santos são filhos da Igreja e membros de um povo e deixaram marcas importantes na história e na vida da Igreja durante o tempo em que viveram. Suas vidas e obras continuam a dar frutos ao longo do tempo porque estão profundamente enraizadas no Evangelho de Jesus. É o caso dos Santos que fundaram grupos com estilo de vida próprio, aprovado pela Igreja, como Santo Agostinho e São Francisco, São Vicente, Santa Teresa de Calcutá. O Concílio Vaticano II recomendou que a melhor devoção aos Santos é a imitação de suas virtudes.

Na festa de Todos os Santos, a Igreja não recorda apenas os Santos canonizados, conhecidos por nós, como a Virgem Maria, São José e os Apóstolos, ou ainda os Santos padroeiros de nossas paróquias e comunidades. Esta festa de Todos os Santos refere-se a todos os que estão no céu. É santo quem está no céu, junto com Deus. E são infinitamente mais do que aqueles que foram inscritos pela Igreja na “lista dos Santos” (canonizados). Graças a Deus, é “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, que ninguém podia contar”, conforme já revela o livro do Apocalipse (cf. Ap 7,9). Eles são “os que passaram pela grande tribulação, lavaram e alvejaram suas vestes no sangue do Cordeiro” (cf. Ap 7,14).

Ser santo é a vocação de todos os batizados e de toda pessoa (cf. 1Pd 1,15; cf. Ef 1,4). No conceito cristão, porém, a santidade não é tanto a perfeição moral e a impecabilidade, quanto a vivência da dignidade de filhos de Deus, recebida no Batismo. A santidade não é uma condição que se conquista apenas com as forças humanas, como a penitência, a ascese, a busca do equilíbrio psicológico. Essas podem ser coisas apreciáveis, mas ainda não constituem a santidade. Nossa santidade vem da graça do Santo que nos chama e nos dá os dons da santidade. Ninguém é santo se não está unido a Deus e corresponde com a sua santa vontade. A vida santa é consequência da nossa união com Deus e floresce em todo tipo de belas virtudes humanas e cristã.

Os Santos e Santas são membros da Igreja, nossos irmãos maiores, que alcançaram com certeza a meta final da vida, depois de terem sido provados e aprovados na vida aqui na terra. Podemos dizer que os Santos são a Igreja bonita, o “santo orgulho” para toda a Igreja que ainda peregrina neste mundo, a “cidade celeste” junto de Deus; eles intercedem por nós e nos encorajam a seguir seu exemplo, a perseverar na fé, esperança e caridade, para estarmos com eles também, um dia, na “pátria definitiva”.

O Papa Francisco nos recordou mais uma vez, na bela exortação apostólica Gaudete et exsultate (“Alegrai-vos e exultai”, 2018), que a santidade não é reservada para poucos na Igreja, mas um chamado feito a todos. Não apenas bispos, padres e religiosos são chamados a serem Santos, mas também os leigos e leigas, pessoas do povo, mesmo sem terem destaque especial nos serviços das comunidades. O chamado diz respeito à vida santa, que é feito a todos. E o Papa indicou o caminho das Bem-Aventuranças do Evangelho como caminho de santidade para todos. Jesus foi o primeiro a viver pessoalmente o que nos indicou nas Bem-Aventuranças.

E o Papa São João Paulo II, na carta apostólica Novo Millennio ineunte (“Entrando no Novo Milênio”, 2001), indicou a busca da santidade como principal “programa pastoral” da Igreja no 3° milênio cristão. Não é programa para bruxas e fantasmas…

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Claudino
Claudino
8 meses atrás

A memória que a Igreja faz diariamente dos Santos do Dia, deveria ser ressaltado mais para que os exemplos sejam mais conhecidos e seguidos. Memória é o legado.

Ana Maria Celestino da Silva
Ana Maria Celestino da Silva
8 meses atrás

Muito bem explicado com muita sabedoria. O difícil que as escolas ensentiva festa de bruxas. Precisam ter mais cometário pra as escolas que isto é uma contaminação.