Chegamos mais uma vez ao mês de setembro, que a Igreja no Brasil tradicionalmente dedica à Sagrada Escritura. Trata-se de uma ocasião propícia para renovarmos nossa gratidão e nosso amor pela Palavra de Deus, esse tesouro que nasceu no seio da Igreja, foi por ela transmitido ao longo dos séculos e permanece como fonte de vida e alimento espiritual para todos os fiéis. Ainda que já tenhamos ouvido muitas vezes a importância da Bíblia, é bom trazê-la sempre de novo à memória, como manda o Deuteronômio: “Que estas palavras (…) estejam em teu coração. Tu as inculcarás a teus filhos e delas falarás, sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te”. (Dt 6,6-7).
A Bíblia é, antes de tudo, um dom do amor de Deus. Como disse o Papa Francisco, ela é como uma grande “carta de amor” que o Senhor escreveu para a humanidade. Em suas páginas, encontramos palavras de ternura e de promessa: “Tu és meu, eu te chamei pelo nome” (cf. Is 43,1).
Mas também a própria maneira com que Deus nos fala já é sinal de seu amor: sendo Ele eterno e espiritual, dignou-se falar em línguas humanas, assumindo a nossa limitação de pronunciar sons e palavras. Assim como o Filho eterno do Pai assumiu nossa carne, a Palavra eterna se fez palavra humana. Por isso, o Concílio Vaticano II louva a “condescendência admirável” com que Deus se comunica conosco, servindo-se de autores humanos inspirados pelo Espírito Santo (cf. Dei Verbum n.11-13). Nesta dupla autoria, divina e humana, manifesta-se a Providência que soube guiar cada escritor sagrado para transmitir-nos, sem erro, a verdade que salva.
Essa mesma unidade se revela em Cristo, chave de leitura de toda a Escritura. Como dizia Santo Agostinho, uma só é a Palavra que ressoa em todos os livros sagrados, e esse Verbo é o próprio Cristo. Por isso, quando a leitura da Bíblia nos parecer difícil, não desanimemos: é Ele quem dá sentido ao conjunto, e é Nele que todas as páginas convergem.
Daqui decorre um ponto essencial: a Bíblia precisa ser lida com fé e com a Igreja. O estudo acadêmico tem seu valor, mas se alguém busca entender a Escritura prescindindo da Revelação e da tradição eclesial, é como quem abre uma caixa de jogo sem recorrer ao manual de instruções. A Igreja, ao contrário do que se acusa, sempre recomendou o contato direto com a Bíblia, multiplicando traduções e incentivando todos os fiéis à leitura frequente, mas adverte, com razão, contra os riscos de interpretações arbitrárias e isoladas, pois “a letra mata, mas o Espírito vivifica” (2 Cor 3,6). Não é por acaso que, desde os primeiros tempos, os cristãos pediam aos apóstolos que lhes explicassem as Escrituras (cf. At 8,30-31). Também hoje, a liturgia é a escola privilegiada da Palavra: no ciclo das leituras da Missa, percorremos grande parte da Escritura, sempre à luz da Tradição viva da Igreja.
Outro aspecto fundamental é que a leitura bíblica deve ser orante. O método da Lectio Divina, praticado desde os primeiros séculos, lembra-nos de que a Escritura é lugar de encontro pessoal com Deus. Leitura atenta, meditação que rumina e aplica o texto à vida, oração que responde a Deus e contemplação que se deixa iluminar por seu olhar – estas etapas transformam o texto em diálogo vivo, em alimento da alma! A Bíblia não é apenas o que Deus disse no passado: é o que Ele me diz hoje, como um bilhete carinhoso que a mãe coloca na lancheira do filho, para acompanhá-lo no caminho.
Assim, a Escritura se torna para nós verdadeiro pilar da evangelização. Como ensina o Concílio, nela “o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro de seus filhos e conversa com eles” (DV 21). Ignorar as Escrituras é ignorar o próprio Cristo. Por isso, neste mês da Bíblia e em todos os dias do ano, renovemos o compromisso de lê-la com fé, com oração e em comunhão com a Igreja. Só assim ela será luz para nossos passos e força em nossa missão de testemunhar Cristo ao mundo.