Logo do Jornal O São Paulo Logo do Jornal O São Paulo

Tira primeiro a trave do teu próprio olho

Certa vez, Jesus disse aos seus discípulos: “Por que observas o cisco no olho do teu irmão, e não prestas atenção à trave que está no teu próprio olho? Ou, como podes dizer ao teu irmão: ‘Deixa-me tirar o cisco do teu olho’, quando tu mesmo tens uma trave no teu? Hipócrita, tira primeiro a trave do teu próprio olho, e, então, enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão” (Mt 7,1- 5). Por que será que tendemos a apontar os erros do irmão e não vemos os nossos próprios erros? Por que tanto afã de julgar mais as pessoas do que examinar nossa própria vida? Será que nos acostumamos a apontar os erros de nossos irmãos porque assim nos sentimos melhores do que eles? 

Em uma sociedade extremamente competitiva, compararmo-nos com os que erram parece fazer-nos melhores do que eles. Comparar-nos com os que acertam acaba expondo os nossos erros. Será que apontamos os erros dos outros antes que eles apontem os nossos? Em tempos de postagens e de seguidores, em que tudo é imediato e repercute, parece que quem sai na frente leva sempre vantagem. Ou será que vemos os erros dos outros porque realmente não conseguimos enxergar os nossos? Isso é natural, porque se nossa vista está comprometida, não enxergamos nem o que nos atrapalha de enxergar. 

Parece o que aconteceu com o Rei Davi: na época em que os reis saíam para a guerra, Davi enviara o comandante Joab para devastar a terra dos amonitas, mas ficou em Jerusalém. Em uma tarde, avistou do palácio uma mulher que se banhava, muito formosa, que se chama Betsabeia. Informou-se sobre ela e descobrindo que era mulher de Urias, que estava na guerra, mandou mensageiros para trazê-la a seu palácio e dormiu com ela. Percebendo depois que estava grávida, a mulher mandou dizer a Davi. As coisas se complicaram porque, como o homem estava fora, todos saberiam que o filho era de outro e, fatalmente, todos ficariam sabendo do adultério. 

Davi teve uma ideia. Mandou mensageiros a Joab pedindo que lhe enviasse da guerra o hitita, Urias. Quando Urias chegou, Davi pediu-lhe notícias de Joab, do exército e da guerra. E, em seguida, disse-lhe para ir para sua casa. Dessa forma, Davi garantiria que as pessoas soubessem que Urias tinha estado com sua esposa quando ela começar a mostrar sua gravidez. Mas Urias não desceu à sua casa; dormiu à porta do palácio com os demais servos de seu amo. Quando soube disso, Davi o questionou. E Urias respondeu que a Arca do Senhor se alojava debaixo de uma tenda, assim como os que estavam na guerra e, por isso, ele não tinha coragem de passar a noite em casa e dormir com sua mulher. 

Então, Davi o mandou de volta para a guerra e enviou uma carta a Joab, determinando que colocasse Urias na frente do combate, onde a tropa fosse mais fraca, para que fosse ferido e morresse. E Urias morreu em combate. Ao saber da morte de seu marido, a mulher de Urias chorou-o. Passado o luto, Davi mandou buscá-la e recolheu-a em sua casa. Ela se tornou sua mulher e lhe deu um filho. 

Então, o Senhor mandou a Davi o profeta Natã. Este entrou em sua casa e disse-lhe: “Dois homens moravam na mesma cidade, um rico e outro pobre. O rico possuía ovelhas e bois em grande quantidade; o pobre, porém, só tinha uma ovelha, pequenina, que ele comprara. Ele a criava e ela crescia junto dele, com os seus filhos, comendo do seu pão, bebendo do seu copo e dormindo no seu seio; era para ele como uma filha. Certo dia, chegou à casa do homem rico a visita de um estranho e ele, não querendo tomar de suas ovelhas nem de seus bois para aprontá-los e dar de comer ao hóspede que lhe tinha chegado, foi e apoderou-se da ovelhinha do pobre, preparando-a para o seu hóspede”. Davi, indignado contra tal homem, disse a Natã: “Pela vida de Deus! O homem que fez isso merece a morte. Ele restituirá sete vezes o valor da ovelha por ter feito isso e não ter tido compaixão”. Natã disse, então, a Davi: “Tu és esse homem. Feriste com a espada Urias, o hitita, para fazer de sua mulher a tua esposa e o fizeste perecer pela espada. Por isso, a espada jamais se afastará de tua casa, porque me desprezaste, tomando a mulher de Urias para fazer dela a tua esposa”. Davi disse a Natã: “Pequei contra o Senhor” (cf. 2 Sm 11-12). 

Davi não vira a trave de seu pecado, que começou com a negligência de seu dever, porque não foi à guerra; depois com a cobiça, para o adultério, para a mentira; em seguida, para o homicídio e, por fim, a falsidade, porque estava sendo considerado um rei muito misericordioso ao se casar com a viúva do soldado morto em combate que deixara um filho órfão. Ele não enxergava a trave e queria tirar o cisco quando deu uma sentença de morte para o fictício personagem da estória de Natã. É mais ou menos assim que acontece. 

Deixe um comentário