A cada 4 de outubro, celebramos a memória litúrgica de São Francisco de Assis. A história registra que enquanto São Francisco rezava na Igreja de São Damião, ouviu estas palavras: “Vai e conserta a minha casa em ruínas”. Ele tomou essa inspiração divina à letra e dedicou-se à reconstrução de pequenas capelas em ruínas que se encontravam na proximidade de Assis, na Itália. No entanto, logo percebeu que por “casa em ruínas” Deus não se referia aos templos materiais em si, mas sim às pessoas; ou seja, o que havia de ser restaurado das ruínas eram os cristãos do seu tempo, século XIII.
Nos relata o Cardeal Raniero Cantalamessa, frade capuchinho, que o próprio São Francisco deixou por escrito, em testamento, a sua conversão: “O Senhor concedeu a mim, irmão Francisco, iniciar assim a penitência: quando estava no pecado, parecia-me coisa muita amarga ver os leprosos, e o próprio Senhor me conduziu para o meio deles e eu usei para com eles de misericórdia. E, ao afastar-me deles, o que me parecia amargo transformou-se para mim em doçura de alma e de corpo. E, depois, permaneci um pouco mais e sai do mundo”.
Importante levarmos o testamento de São Francisco em oração e, também, examinarmo-nos para saber o que fazemos com a concessão que Jesus Cristo nos dá para enxergar nossa vida e, assim, também, iniciar a nossa penitência, por amor a Cristo. Usamos da misericórdia cristã ou será que, ainda, nos parece muito amargo “ver os leprosos” de nossos dias atuais: os mais frágeis e vulneráveis de nossa sociedade e os “sepulcros caiados” que estão ao nosso redor?
Passados séculos desde que São Francisco ouviu as palavras que diziam “vai e conserta a minha casa em ruínas”, devemos também fazer ouvir essas palavras de Cristo novamente em nossos corações e sobretudo em nossas famílias, e, assim, nos perguntarmos: o que podemos fazer para restaurar a vida interior em ruínas daqueles que estão ao nosso redor e daqueles que sequer sabemos os seus nomes?
Há muitos caminhos, sem dúvida. No entanto, o Cardeal Cantalamessa nos ensina em três palavras o que podemos fazer em concreto pelos pobres: amá-los, socorrê-los e evangelizá-los.
O amor pelos pobres é um dos traços mais comuns da santidade católica. Significa, sobretudo, reconhecê-los e respeitá-los em sua dignidade. Eles não são nossos semelhantes, mas sim nossos irmãos! Cristo nos disse: “Um só é vosso Pai Celeste e vós todos são irmãos”; e, ainda, “como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.
“A compaixão, assim como a Fé, sem obras, é morta”, nos diz o Apóstolo São Tiago. Jesus Cristo não dirá, no dia do juízo, “estava nu e tivestes pena de mim”, mas sim “estava nu e me vestistes”. E tu, que lê este texto, o que fazes ao ver a pobreza material e espiritual dos seus irmãos?
O Cardeal Cantalamessa nos conta uma historieta que ilustra bem essa questão sobre como socorrer aos pobres: “Um dia, vendo uma menina que tremia de frio e chorava de fome, um homem foi tomado de revolta e gritou: ‘Ó Deus, onde estás? Por que não fazes nadas por essa criatura inocente? E, uma voz interior lhe respondeu: É claro que eu fiz algo. Eu te fiz!” E ele compreendeu no mesmo instante. E, nós, será que compreendemos?
Evangelizar os pobres! Foi essa missão que Jesus Cristo declarou como por excelência e confiou a sua Igreja. A ação social dos católicos deve acompanhar a evangelização. Como nos disse o Papa Francisco “se a Igreja não confessa Jesus Cristo, torna-se uma ONG piedosa, mas não a esposa do Senhor”.
Nesse sentido, as obras de misericórdia que praticamos – tanto nas necessidades corporais quanto espirituais – não se confundem com o assistencialismo, seja de Estado, seja de ONGs, ainda que em termos materiais tenhamos pontos em comum; a realizamos por amor a Deus e, por Deus, pelas almas. Trata-se de uma razão evangélica e não de natureza social.
Que São Francisco nos ensine a viver o espírito de pobreza, pessoalmente e em família; despegados dos bens materiais, mas solícitos àqueles mais frágeis e vulneráveis da sociedade. Que saibamos cuidar das feridas daqueles que encontramos pelo caminho.