O itinerário quaresmal confronta-nos com os fundamentos de nossa fé e da vida cristã, diante dos quais somos convidados a fazer uma revisão de vida, para tomarmos consciência sobre como vivemos nossa fé e as promessas do nosso Batismo. Assim nos preparamos para, na noite solene da Vigília Pascal, renovados em nossas disposições pela penitência quaresmal, reassumirmos os compromissos cristãos.
Na cultura dos propósitos instáveis e valores efêmeros, poderíamos ser levados a perguntar-nos: vale a pena ser cristãos? Manter firme a fé e a fidelidade a Deus e ao Evangelho de Cristo, mesmo quando isso custa esforço e renúncia? Talvez haveria propostas religiosas mais fáceis e menos exigentes do que a de Jesus e do seu Evangelho? Vale a pena praticar a disciplina moral, a virtude exigente e observar os mandamentos de Deus? Mais ainda: vale a pena encarar perseguições, discriminações e sofrimentos por causa de Jesus Cristo?
O segundo Domingo da Quaresma nos trouxe o Evangelho da Transfiguração de Jesus no monte Tabor (Mc 9,2-10) e, como primeira leitura, o sacrifício de Abraão no monte Moriá (Gn 22,1-18). Deus pediu uma prova de fé e fidelidade a Abraão, que respondeu mostrando-se disposto oferecer em sacrifício seu único filho, Isaac, tão querido e longamente esperado, como prova de obediência e fidelidade a Deus. Não precisou fazê-lo, pois Deus dispôs diversamente no instante extremo. Não era a morte de Isaac que Deus queria, mas a fidelidade de Abraão. E o recompensou com grande bênção, que dura até os dias de hoje. Valeu a pena, Abraão? Ele, certamente, diria: Quem é fiel a Deus, nada tem a temer e pode contar com a fidelidade de Deus às suas promessas.
No Evangelho, Jesus está a caminho de Jerusalém, lugar de sua rejeição, prisão, tortura, condenação à morte e também ressurreição gloriosa. Os apóstolos vão com Ele e mal podem imaginar o que os espera, logo mais. Eles pensam na glória que poderão colher para si, quando Jesus arrebatar para si o trono de Davi, mas ainda não podem imaginar o drama da Paixão do Mestre. Jesus toma consigo três deles, Pedro, Tiago e João e sobe ao monte Tabor, no alto do qual Ele fica transfigurado e manifesta sua glória divina que, normalmente, estava oculta aos olhos do mundo, envolta na sua humanidade. Os três apóstolos ficam muito felizes e se dão conta de que ali é o céu. E ainda, por cima, ouvem a voz de Deus Pai, que diz: “Este é meu Filho amado. Ouvi o que Ele diz” (Mc 9,7). Era para tirar qualquer dúvida de que estavam certos, ao terem escolhido seguir Jesus. Mas a cena do Tabor durou apenas um momento.
Jesus desceu com eles à planície do dia a dia, da vida comum, das provações, das contradições da vida, indo ao encontro da grande provação que deveriam enfrentar em Jerusalém. Ele lhes havia revelado, por um momento, o esplendor de sua glória divina, para confortá-los e lhes dar a certeza de que valeria a pena manterem-se fiéis nas provações a enfrentar. E a voz de Deus Pai, que lhes assegurava que Jesus é o Filho querido de Deus Pai, deveria dar-lhes firmeza inquebrantável na fé. Os três apóstolos guardaram silêncio sobre a experiência que tiveram, como Jesus lhes recomendou. Mas a sua fraqueza foi tanta que, na Paixão de Jesus, todos eles, menos um, o abandonaram e fugiram. O medo foi maior que sua fé!
Mas, após a ressurreição de Jesus, eles se lembraram novamente do que haviam visto e ouvido. Jesus ressuscitado os procurou e, em sua misericórdia, perdoou toda infidelidade e fraqueza, constituindo-os como testemunhas e anunciadores do Evangelho. Finalmente, eles compreenderam que valia a pena seguir Jesus e entregar sua vida por Ele. De fato, foi o que fizeram, com grande generosidade, mediante a pregação do Evangelho e o martírio por Cristo e pelo Evangelho.
Melhor que todos, é o apóstolo Paulo que vai testemunhar que vale a pena ser cristão e dedicar a vida inteiramente a Ele. Na Carta aos Romanos, ele fala da liberdade cristã e da esperança da glória daqueles que seguem a Cristo (cf. Rm 8). “Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção alguma com a glória que há de ser revelada em nós” (8,18). Já se havia iniciado o tempo das perseguições aos cristãos e o próprio Paulo enfrentava todo tipo de sofrimentos, prisões, torturas e ameaças de morte por causa de Cristo.
Vale a pena enfrentar tudo isso pelo nome de Cristo? Vale a pena enfrentar renúncias, privações e sofrimentos pela fé e pela fidelidade a Deus? Paulo responde: “Tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus” (8,28). Quem crê em Cristo sabe em quem colocou a sua fé (cf 2Tm 1,12). “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus, que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós? Cristo Jesus, que morreu, mais ainda, que ressuscitou e está à direita de Deus, intercedendo por nós? Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia, perseguição, fome, nudez, perigo, espada? Tenho a certeza de que nem morte, nem vida, nem o presente, nem o futuro, nem criatura alguma será capaz de nos separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (cf 8,28-39). Sim, vale a pena ser cristão!