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Vocação: êxodo de nós mesmos

A Palavra de Deus — sempre ela — nos convida a refletir sobre o chamado divino. Essa convocação é, em essência, um apelo pessoal e intransferível para nos engajarmos no plano de salvação de Deus. A vocação não é apenas uma tarefa a cumprir, mas um relacionamento vivo com o Criador, capaz de transformar o coração e dar novo sentido à existência. 

O profeta Isaías experimenta esse mistério quando, diante da santidade de Deus, reconhece sua pequenez e exclama: “Eis-me aqui: podeis enviar-me” (Is 6,8). Essa resposta, nascida do espanto e da fé, revela o dinamismo da vocação: não nasce de nossas capacidades, mas da confiança em Deus. O chamado não exige perfeição, mas disponibilidade. É nessa abertura do coração que o Senhor age e realiza maravilhas. 

O Papa Francisco recordava-nos de que “a vocação é sempre um êxodo de nós mesmos”. Seguir a voz de Deus, dizia ele, implica “sair das próprias seguranças e deixar-se guiar por um amor que é maior do que nossos cálculos” (Christus Vivit, 138). Não há vocação autêntica sem movimento, sem deixar o porto seguro, sem atravessar mares de incerteza. Francisco falava de uma “Igreja em saída”, e essa imagem vale também para cada batizado: somos chamados a sair, a ir ao encontro, a servir. Permanecer na zona de conforto é negar a própria dinâmica missionária da fé. 

O Evangelho segundo São Lucas nos apresenta essa experiência no episódio da pesca milagrosa (cf. Lc 5,1-11). Pedro, cansado e desanimado, ouve de Jesus: “Avança para águas mais profundas.” O barco – símbolo da comunidade cristã – torna-se o espaço em que Cristo educa para a confiança. Quando Pedro lança novamente as redes, experimenta a abundância que nasce da obediência à Palavra. O chamado de Jesus transforma a rotina do pescador em missão: “De agora em diante, serás pescador de homens.” Assim é a vocação: um salto para o novo, uma travessia em que a fé substitui o medo. 

Responder à vocação é mais do que escolher um caminho – é permitir que Deus conduza nossa história. O Papa Francisco lembrava que “o chamado do Senhor não é uma imposição, mas uma sedução do amor” (Gaudete et exsultate, 11). O amor de Deus não força, mas atrai; não domina, mas convida. Cabe a cada um acolher esse apelo com liberdade e coragem. 

O Papa Leão XIV afirmou recentemente: “A regra suprema na Igreja é o amor: ninguém é chamado a comandar, todos são chamados a servir; ninguém deve impor as próprias ideias, todos devemos ouvir-nos reciprocamente; ninguém é excluído, todos somos chamados a participar; ninguém possui toda a verdade, todos devemos procurá-la juntos e humildemente.” 

Como Isaías, como Pedro, como tantos homens e mulheres ao longo da história da Igreja, somos convidados a dizer “Eis-me aqui” – mesmo quando não nos sentimos prontos. A vocação amadurece na confiança e se fortalece no serviço. É nesse caminho que a fé se torna concreta, e o Evangelho ganha rosto nas atitudes de cada dia. 

Que o Espírito Santo nos dê coragem para abandonar as seguranças que nos paralisam e nos conduza às “águas mais profundas” da vida cristã. Atender à vocação é permitir que Deus nos tire da margem e nos lance ao coração do mundo, para sermos sinais de esperança, amor e misericórdia. 

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