A beleza da fé que me alcançou pela cultura popular da viola

Chico Lobo (Élcio Paraíso/Bendita Conteúdo & Imagem)

Me lembro como se fosse hoje, tinha 8 anos e papai recebeu uma Folia de Reis na nossa casa, em São João Del Rei MG. As Folias cantam o nascimento do menino Deus e ocorrem por todo o Brasil da noite do dia 24 de dezembro até 6 de janeiro, dia consagrado aos Santos Reis. Algumas se estendem até 20 de janeiro, dia de São Sebastião. As Folias de Reis, ternos de reis, caravanas de reis, rememoram a viagem dos Reis Magos, que seguindo a estrela guia, saem do oriente e chegam em Belém para encontrar, reconhecer e adorar o menino Deus nascido. E a frente das folias vai sempre a bandeira sagrada, as vezes com a imagem dos três reis magos, as vezes a estrela guia. Essa bandeira é entregue ao dono da casa, que a recebe e a leva a todos os cômodos da casa, abençoando assim a morada. Certa vez um grande amigo, Padre Virgílio Resi, já falecido, definiu para mim o significado, a bandeira conecta o humano ao divino é uma ponte, por isso as pessoas a beijam, ela é passada por sobre as cabeças e levada aos cômodos da casa.

” Passa a bandeira no povo, passa a bandeira no povo! Aiaiai!”

E a viola? Bem, o mestre da folia que entrou em minha casa cantando seus versos sagrados, empunhava uma viola caipira. Esse som rústico, essa tradição, essa religiosidade popular cristalina, me comoveu e me trouxe para a viola caipira. Ali aconteceu uma correspondência ao meu coração, em sentimentos elementares de justiça, felicidade, amor e fé.

Assim aos 12 anos de idade, meu pai me deu minha primeira viola e minha escola para aprender a tocar foi a escola da vida e os professores, os mestres da cultura popular. Passados 40 anos dedicados a viola e a essa cultura, cada vez mais percebo como ela é conduzida num senso religioso de estar em companhia, de um Divino que se conecta ao humano, através de tantas manifestações, catiras, folias, danças de São Gonçalo, festas de Mutirões, festas do Divino e tantas mais e que são comandadas pela viola!

E esse sentimento presente, que chamo de “cumpadricidade”, típico do interior de um Brasil profundo, sentimento de se ajudar sem pedir nada em troca é alimentado por essa certeza de que Deus está presente no cotidiano de cada pessoa e cada um se torna rosto desse mistério ao outro. Assim minha música canta e exalta esses sentimentos de fé, de amor, de alegria de mutirão, de cumpadricidade, arraigados em tantos corações de mestres e mestras e de sujeitos que fazem a beleza de nossa cultura popular da viola espalhados por esse Brasil afora.

Nos tempos difíceis da pandemia, ficou claro para mim que essa positividade, que me move e me leva a cantar a esperança, vem da minha fé, de ter um ponto onde olhar, ter amizades concretas que me remetem a Cristo. Tendo isso, para responder à dramaticidade da realidade, posso me reinventar e criar.

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