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A grande fuga

O filme estrelado por Michael Caine e Glenda Jackson é, por dizer o mínimo, terno, emotivo e surpreendente. Por um lado, vemos juntos, e pela última vez, dois grandes nomes do cinema (Glenda Jackson faleceu pouco tempo depois e Michael Caine retirou-se definitivamente com essa última atuação). Por outro, é quase impossível não se emocionar, de uma maneira difícil de descrever ou de definir, vendo como um fato circunstancial e, de alguma forma, pouco relevante, pode estar cheio de muitos gestos, detalhes e palavras profundamente humanos. 

É uma história de amor que se eternizou nestes tempos de hoje que estamos vivendo, porque é uma história real. Aconteceu de fato: em 2014, durante o 70º aniversário da Comemoração do Dia D (6 de junho de 1944), quando Bernard Jordan, com 89 anos, um veterano da Segunda Guerra Mundial, que desembarcou precisamente na Normandia, decidiu participar da cerimônia, como já fizera nas comemorações do 50º e 60º aniversário, só que desta vez “escapou” da residência para anciãos onde morava junto com a sua esposa, Irene, a única que ficou sabendo do fato, até porque foi ela mesma quem o incentivou. 

É emocionante ver e captar o significado e o sentido de uma vida conjugal que sobreviveu a tanta história dura, cruel, difícil e, por vezes, quase sem sentido como foi a vida de todos aqueles que eram jovens e tinham sonhos e queriam viver plenamente as suas vidas quando a Segunda Guerra estourou. É profundamente terno ver a interpretação desses dois veteranos do cinema encarnando a vida a dois do soldado Jordan e da sua esposa Irene, que se entendem e se falam quase sem palavras, apenas com gestos e olhares. 

Os diálogos entre Bernard e Irene, os seus silêncios e olhares, seus gestos de afeto, de carinho e, mesmo até, os seus desentendimentos, como algo que foi sendo cultivado ao longo de muitos e muitos anos de casamento, nos leva a pensar sobre as nossas vidas, as nossas relações e os nossos afetos. 

E é mais emocionante ainda quando vemos aqueles “anciãos”, que, em 44, eram jovens e estavam cheios de sonhos, passeando com dificuldade pelas ruas da cidade francesa, cuidando para não tropeçar e cair e, de repente, uma anciã também, só que francesa, segura nas suas mãos e com voz de anciã, mas sabendo que nesse momento estava falando em nome de toda a Humanidade, exclamar: Merci, merci. Assim como, em outro momento, podemos chegar a ficar quase sem alento, esperando por ver o desenlace de como seria a reação e o que viria a acontecer quando. na mesma sala, Jordan se encontra com os soldados alemães, que, naquele momento, também estavam lá para participarem das comemorações, mas que, em 1944, eram o inimigo. São esses momentos e esses gestos que, em tempos como os que vivemos, ainda nos mantêm na esperança. 

A grande fuga não é um filme sobre a guerra, nem sobre veteranos da Segunda Guerra. É um filme sobre como o amor, a amizade, a generosidade e a coragem podem superar qualquer dificuldade, mesmo aquelas que decorreram da Segunda Guerra. Porque, como disse em 1624 o poeta John Donne, naqueles versos imortalizados por Hemingway: “A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntem: Por quem os sinos dobram? Eles dobram por vós”. 

A GRANDE FUGA (THE GREAT ESCAPER) 

Direção: Oliver Parker 
Roteiro: William Ivory 
Elenco: Michael Caine, Glenda Jackson 
Produção: Ecosse, BBC, Pathé (Inglaterra, 2023)
Duração: 96 minutos 
Disponível: Amazon Prime Video 

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