A teologia de Bento XVI integra razão e coração

Quando, na manhã de 31 de dezembro de 2022, o Papa Emérito Bento XVI voltou à casa do Pai, quais sinais, quais perguntas sua vida deixou para nós? Numa entrevista imediatamente após sua morte, seu secretário, Georg Gänswein, revelou o mistério da vida do Papa falecido: “Com um fio de voz, mas de uma maneira claramente distinguível, disse, em italiano: Senhor, eu te amo!”. Foram suas últimas palavras… Falando das últimas horas de Santa Teresinha do Menino Jesus, proclamada Doutora da Igreja em 1997, considerada especialista na scientia amoris. Bento XVI disse: “Faleceu, pronunciando as simples palavras ‘Meu Deus, eu te amo!’ […] Essas últimas palavras da Santa são a chave de toda a sua doutrina, da sua interpretação do Evangelho. O ato de amor, expresso em seu último suspiro, era como o contínuo respiro de sua alma, como o bater de seu coração” (Audiência Geral, 06/04/2011).

E se ele soubesse, naquela audiência, que suas últimas palavras seriam assim e sua passagem ao amor que os esperava tão semelhante! Ele não sabia que falava de si mesmo e, no entanto, continuou o seu discurso como se revelasse o seu próprio humor: “Queridos amigos, também nós, como Santa Teresa do Menino Jesus, devemos poder repetir todos os dias ao Senhor que queremos viver no amor por Ele e pelos outros, aprender na escola dos santos a amar autêntica e totalmente. Teresa é um dos “pequeninos” do Evangelho que se deixam conduzir por Deus às profundezas do seu Mistério. Guia para todos, especialmente para aqueles que, no povo de Deus, desempenham o ministério dos teólogos. Com humildade e caridade, fé e esperança, Teresa entra continuamente no coração da Sagrada Escritura, que contém o Mistério de Cristo. E esta leitura da Bíblia, alimentada pela ciência do amor, não se opõe à ciência acadêmica. A ciência dos santos, de fato, da qual ela mesma fala na última página da História de uma Alma (São Paulo: Loyola, 1996), é a ciência mais elevada”.

A morte dos santos é surpreendente e, como única coisa a dizer, têm a expressão do seu amor: “Senhor, Jesus, eu te amo!”. Não se pode dizer tais palavras no momento decisivo da morte, se não se está habituado a repeti-las todos os dias, todas as horas, com cada respiração.

O Papa Francisco, na celebração do 65º aniversário da ordenação sacerdotal de Bento XVI, disse: “Numa das tantas páginas bonitas que Vossa Santidade dedica ao sacerdócio, frisa como, na hora da chamada definitiva de Simão, Jesus, olhando para ele, no fundo pergunta-lhe uma só coisa: ‘Tu Me amas?’. Como é belo e verdadeiro isso! Porque é nisso, Vossa Santidade nos diz, naquele ‘Tu Me amas?’ que o Senhor funda o pastoreio, porque só se houver amor ao Senhor Ele pode apascentar por nosso intermédio: ‘Senhor, tu sabes tudo, tu bem sabes que Te amo’ (cf. Jo 21,15-19). Esta é a característica que domina toda uma vida despendida ao serviço do sacerdócio e da teologia, que Vossa Santidade não hesitou em definir como ‘busca pelo amado’. Foi isso que Vossa Santidade sempre testemunhou e ainda hoje testemunha: que o aspecto decisivo nos nossos dias — de sol ou de chuva — aquele do qual advém todo o resto, é que o Senhor esteja realmente presente, que O desejemos, que interiormente estejamos próximos Dele, que O amemos, que acreditemos profundamente Nele e, crendo, O amemos realmente. É este amar que nos enche realmente o coração, é este crer que nos faz caminhar seguros e tranquilos sobre as águas, até no meio da tempestade, precisamente como aconteceu a Pedro. Este amar e este crer é aquilo que nos permite olhar para o futuro não com receio ou saudades, mas com júbilo, até nos anos já avançados da nossa vida”.

A busca pelo amado… Esse é o segredo de toda sua vida e do seu enorme compromisso no campo da teologia. O Papa Bento XVI conheceu a Deus, toda a sua vida foi dedicada a conhecê-Lo, a buscá-Lo com todas as suas forças. Podia ir ao encontro do seu Amado com a confissão de amor, com as simples palavras ditas no meio da noite. No Prefácio do livro Dio è sempre nuovo. Pensieri spirituali (Libreria Editrice Vaticana, 2022), que reúne os pensamentos espirituais do Papa Bento XVI, Francisco escreve: “O título já exprime um dos aspectos mais característicos do Magistério e da visão de fé do meu predecessor: sim, Deus é sempre novo porque é fonte e razão da beleza, da graça e da verdade. Deus nunca é repetitivo, Deus nos surpreende, Deus traz novidade. O frescor espiritual que brilha por meio destas páginas confirma isso com intensidade […] O modo como Bento XVI soube fazer interagir coração e razão, pensamento e afeto, racionalidade e emoção, constitui um modelo fecundo de como poder anunciar a todos a força explosiva do Evangelho”.

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