Aquilo que todos desejamos

No debate cultural, o reconhecimento da existência da “experiência elementar”, ânsia por felicidade, dado inescapável da nossa humanidade, pode nos ajudar a compreender toda a cultura e a viver uma verdadeira comunhão.

Fonte: ACI (Assessoria de Comunicação Institucional, PUC-SP)

A totalidade é uma das categorias mais importantes no pensamento de Luigi Giussani. Contudo, ele se aproxima do tema por um viés diferente das análises sistêmicas ou do pensamento marxista clássico. A totalidade, em sua visão, é antes de tudo uma dimensão da experiência humana. O ser humano está imerso na totalidade e, simultaneamente, anseia pela totalidade – pois esta, em sua infinitude, sempre lhe escapa de alguma maneira.

Por isso, precisamos de um processo educativo que nos ajude a mergulhar sempre mais na totalidade, a saber comparar cada coisa que nos acontece, com a qual deparamos com as exigências mais profundas de nosso coração. Nesse sentido, Giussani compreendia a educação como um processo emancipador, em que cada um deveria aprender a comparar aquilo que encontrava com essas exigências profundas e, assim, conseguir cada vez mais escapar das dominações ideológicas, da massificação das consciências, das falsas promessas de felicidade. Ao mesmo tempo, tratava-se de um processo profundamente humanizador e solidário. A pessoa, educada para uma verdadeira abertura à realidade, é capaz não só da crítica destrutiva (um flagelo cultural em nossa sociedade carregada de ressentimentos), mas, também, e, principalmente, da descoberta da verdade que se oculta em cada aspecto do real, de ternura e empatia para com o outro. Quanto mais profundamente conhecemos os anseios do próprio coração, mais somos capazes de entender o outro, de superar a barreira das aparências que dividem e chegar à essência que congrega.

Permito-me ilustrar essa afirmação com uma experiência que vivenciei alguns anos atrás. Participando de uma mesa-redonda, diante de uma plateia relativamente hostil à posição católica, com umas 200 pessoas, usei a palavra “verdade”. Bastou para que alguém me questionasse dizendo que a verdade não existe, apenas as narrativas. Propus um desafio: se eu conseguisse mostrar uma verdade aceita por todos naquela sala, eles teriam que aceitar que nem tudo era narrativa. Pedi para que levantasse a mão aquela pessoa na sala que não desejava ser feliz. Evidentemente, ninguém alçou a mão. Afirmei, então, que o desejo de felicidade era uma verdade universal. Uma professora universitária objetou que dependia do que eu entendia por felicidade. Concordei, mas acrescentei que, então, estava aí um belo caminho que eu e ela podíamos percorrer juntos: descobrirmos o que é a felicidade para cada um e nos ajudarmos a chegar juntos a ela. Dessa vez ela concordou.

Pressionados em um ambiente cultural cada vez mais crítico, os cristãos costumam se dividir entre uma defesa até agressiva dos próprios valores, que muitas vezes rompe com a própria possibilidade do diálogo, e um certo deslumbramento resignado com a posição do outro, em que o diálogo deixa de existir porque a identidade cristã não se expressa. Giussani, com seu mergulho na “experiência elementar” e sua abertura à totalidade, apresenta uma terceira via: um Cristianismo que não se encolhe ou se fecha diante do outro, mas se faz ainda maior para abraçá-lo.

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