As obras de Tolkien e a carta do Papa Francisco 

Tolkien foi um dos maiores autores católicos de seu tempo. Não pretendia fazer obras catequéticas ou passar mensagens. Porém, suas obras ajudam o leitor a mergulhar no mistério da realidade e de seu próprio ser. Neste sentido, é um autor que bem ilustra o que diz o Papa Francisco em sua carta sobre a literatura.

No bombardeamento massivo de conteúdo a que somos expostos diariamente vemos um achatamento daquele coração nosso inquieto que busca a todo momento relacionamento com o Infinito. Assim, agimos de forma mais automática e reduzimos a nossa razão ao mecanicismo. Paradoxalmente, enquanto o homem se aproxima das máquinas, elas se aproximam do homem uma vez que ganham força no espaço gerado pela inteligência artificial (IA) cada vez mais “humanizada”. Nesse contexto, o Papa Francisco – através de sua carta sobre o papel da literatura – nos interpela e aponta para a Literatura como local de acesso privilegiado à mente e, mais especificamente, ao coração do ser humano.

As obras de Tolkien não são destinadas a ser instrumentos para se chegar/afirmar determinada ideia, mas ao contrário para Tolkien a Literatura é totalmente um fim em si mesma. Portanto, não é uma ferramenta para dizer algo, é um fim em si mesma. É a arte gratuita para Tolkien. E precisamente por sua gratuidade – que é a cifra da ação de Deus – que se pode surgir algo de verdadeiro. É por isso que vemos a rejeição de J. R. R. Tolkien ao uso indiscriminado de alegorias. O ponto de partida da alegoria é uma posse/poder intelectual, algo que já sabemos, já vivemos, uma doutrina, uma maneira de fazer as coisas, um pensamento que, então, aplicamos e transformamos artificialmente em algo que reflete esse pensamento. Em vez disso, o que Tolkien faz é exatamente o oposto. O ponto de partida não é a ideia, o pensamento, o conhecimento, a doutrina, mas é o detalhe, o particular, a história individual, a fonte, a semente, o coração. E indo ao fundo disso é assim que se chega à verdade. Nesta perspectiva, pode-se também entender as palavras do Papa, ao dizer, em sua carta, que o leitor não pode ser visto como mero destinatário de uma mensagem edificante, mas um sujeito ativo que interage com a obra (n. 29)

Uma vez que você entende a alegoria, já é algo que você possui e já não traz nada de novo. Contudo, a verdade tem sempre um componente do Mistério, a Verdade não é algo que você possui, mas que você descobre, que você encontra, algo sempre inesperado. Logo, não é uma posse intelectual; nunca é algo que você já sabe, mas que vem ao final de um caminho, como ao fim da leitura de um livro, como a jornada dos hobbits. “Si enim comprehendis, non est Deus”, diz Santo Agostinho. Ou seja, ‘se você já conhece não é mais Deus’, não é mais verdade porque a verdade é algo que você compreende agora, que se torna carne agora. É nesse sentido que o Papa diz em sua carta que a Literatura nos faz “encontrar Jesus feito carne”. Por essa razão, enfatiza Francisco: “recurso assíduo à literatura pode tornar os futuros sacerdotes e todos os agentes pastorais ainda mais sensíveis à plena humanidade do Senhor Jesus” (n. 15) e o Sumo Pontíficie complementa: “afinal, o Coração procura mais e, na Literatura, cada um encontra o seu próprio caminho” (n. 6). Termino com esse trecho de J. R. R. Tolkien: 

“Bem-aventurados os criadores de Lendas com seus versos de coisas não encontradas no tempo registrado (…) Eles viram a Morte e a derrota definitiva, e ainda assim não recuaram em desespero (…) mas transformaram a lira para a vitória e acenderam os Corações com Fogo Legendário.” (Tree and Leaf, including Mythopoeia).

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Rosani Conceição
Rosani Conceição
38 minutos atrás

Maravilha! Nosso papa sempre nos conduzindo !