O escândalo com a aparente vitória do mal e do sofrimento é uma das maiores justificativas para a descrença. Como pode um Deus de amor permitir que seus filhos sofram tanto, seja por desastres naturais, pandemias, guerras ou injustiças praticadas pelos próprios seres humanos?
Vivemos tempos nos quais esta questão é particularmente gritante para nós. A pandemia que dizimou tantas vidas e nos deixou isolados e desorientados, a guerra na Ucrânia, com todos os seus desdobramentos, a fome que assola nossos irmãos vitimados pela crise econômica, os inocentes que lutam por justiça assassinados…
Diante dessa realidade desafiadora, vale a pena retomar a reflexão que Bento XVI realizou, em 2006, no campo de Concentração de Auschwitz-Birkenau, onde mais de um milhão de judeus foram mortos pelos nazistas. O grito do ser humano não pode ser negado, mas a experiência do encontro com Cristo nos mostra que Deus pode fazer surgir um bem maior até mesmo do mal (cf. Catecismo da Igreja Católica, CIC 311).
“Quantas perguntas surgem neste lugar! Sobressai sempre de novo a pergunta: Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal? […]
Devemos elevar um grito humilde, mas insistente a Deus: Desperta! Não te esqueças da tua criatura, o homem! E o nosso grito a Deus deve ao mesmo tempo ser um grito que penetra o nosso próprio coração, para que desperte em nós a presença escondida de Deus, para que seu poder, que Ele depositou nos nossos corações, não seja coberto e sufocado em nós pela lama do egoísmo, do medo dos homens, da indiferença e do oportunismo.
Emitamos este grito diante de Deus, dirijamo-lo ao nosso próprio coração, precisamente nesta nossa hora presente, na qual surgem novas desventuras, na qual parecem emergir de novo dos corações dos homens todas as forças obscuras: por um lado, o abuso do nome de Deus para a justificação de uma violência cega contra pessoas inocentes; por outro, o cinismo que não conhece Deus e que ridiculariza a fé n’Ele. Nós gritamos a Deus, para que impulsione os homens a arrepender-se, para que reconheçam que a violência não cria a paz, mas suscita apenas outra violência, numa espiral de destruição, na qual todos no fim das contas só têm a perder.
O Deus, no qual nós cremos, é um Deus da razão, mas de uma razão que certamente não é uma matemática neutra do universo, mas que é uma coisa só com o amor, com o bem. Nós rezamos a Deus e gritamos aos homens, para que esta razão, a razão do amor e do reconhecimento da força da reconciliação e da paz, prevaleça sobre as ameaças circunstantes da irracionalidade ou de uma falsa razão, separada de Deus. […]
Graças a Deus, com a purificação da memória, à qual nos estimula este lugar de horror, crescem à sua volta numerosas iniciativas que desejam pôr um limite ao mal e dar força ao bem. Há pouco pude abençoar o Centro para o Diálogo e a Oração. Nas imediatas proximidades tem lugar a vida escondida das irmãs carmelitas, que estão particularmente unidas ao mistério da cruz de Cristo e nos recordam a fé dos cristãos, que afirma que o próprio Deus desceu ao inferno do sofrimento e sofre juntamente conosco. Em Oswiecim, existe o Centro de São Maximiliano e o Centro Internacional de Formação sobre Auschwitz e sobre o Holocausto. Depois, há a Casa Internacional para os Encontros da Juventude. Numa das Antigas Casas de Oração, existe o Centro Hebraico. Por fim, está a constituir-se a Academia para os Direitos do Homem. Assim podemos esperar que do lugar do horror nasça e cresça uma reflexão construtiva e que recordar ajude a resistir ao mal e a fazer triunfar o amor.
[Desejo] concluir com uma oração de confiança, um Salmo de Israel, que é, ao mesmo tempo, uma oração da cristandade: ‘O Senhor é o meu pastor: nada me falta. Em verdes prados me fez descansar e conduz-me às águas refrescantes. Reconforta a minha alma e guia-me por caminhos retos, por amor do seu nome. Ainda que atravesse vales tenebrosos, de nenhum mal terei medo porque Tu estás comigo. A tua vara e o teu cajado dão-me confiança… habitarei na casa do Senhor para todo o sempre’ (Sl 23, 1-4.6).”