Blaise Pascal, 400 anos: um olhar cristão sobre a miséria e a grandeza humanas

Pascal é lido por diferentes públicos. Se entramos em uma biblioteca, podemos eventualmente encontrá-lo nas seções de filosofia, teologia, literatura, matemática ou física. Nesse sentido, ele é um autor multifacetado. Parece, entretanto, ser possível qualificar seu pensamento pelas palavras do Papa Francisco, na recente carta apostólica da qual reproduzimos um trecho neste Caderno: Pascal demonstrava uma “abertura estupefata à realidade” (Sublimitas et miseria hominis)

Arte: Sergio Ricciuto Conte

O inventor do sistema de transporte público: carruagens que circulavam em Paris em horários determinados, independentemente de terem passageiros ou não, a um preço fixo (uma moeda de cinco sóis). Talvez essa não seja a característica mais célebre da vida de Blaise Pascal, nascido em 19 de junho de 1623 em Clermont, na França. Conhecido de muitos por seus Pensamentos (São Paulo: Martins Fontes, 2005), obra póstuma que reúne aproximadamente mil fragmentos de texto, boa parte dos quais estava destinada a constituir uma apologia da religião cristã, sua vida e seus trabalhos guardam uma série de outros aspectos interessantes a serem lembrados nesse quadricentenário.

Pascal se destacou na matemática (realizou trabalhos originais que impactariam as áreas que viriam a ser a geometria projetiva, a teoria das probabilidades e o cálculo integral), na física (experiências importantes sobre a existência do vácuo e da pressão atmosférica, assim como um tratado sobre O equilíbrio dos líquidos), polemista no âmbito da religião (suas Cartas Provinciais criticam os excessos da casuística de alguns jesuítas da época), inventor de uma máquina de calcular que ajudaria na cobrança de impostos pelo seu pai… As áreas de atuação de Pascal, que viveu apenas 39 anos, são diversas. Mas em todas elas se destaca um senso de abertura à realidade, a qual Pascal não queria forçar para dentro de “caixinhas” do pensamento. Nos Pensamentos, escreveu: “a verdadeira moral zomba da moral” e “zombar da filosofia é verdadeiramente filosofar” [Fragmento 513, segundo a numeração da edição de L. Lafuma (daqui em diante: Laf.)].

Em particular, Pascal apresenta uma rica reflexão sobre a condição do homem. Alguns qualificaram o seu pensamento, próximo em certos aspectos ao jansenismo da época, de “trágico” – de fato, Pascal reconhece que “o homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza” (Laf. 200). Mas Pascal, pensador dos limites da razão, vê igualmente que o homem tem uma dignidade, a qual pode honrar: o homem é apenas um caniço, escreve Pascal, “mas é um caniço pensante” (Laf. 200). Daí que se reconheça no pensamento de Pascal tanto uma “miséria” quanto uma “grandeza” do homem, abrindo-se de modo “estupefato” à realidade e à complexidade desta.

Pois criar um sistema de ônibus, no caso de Pascal, não significa apenas apresentar uma solução técnica: tendo criado uma empresa em parceria com sócios, intencionava destinar a sua parte dos lucros aos pobres da região de Blois. Pascal, empreendedor social: eis outra faceta a lembrar. E um transporte, finalmente, que permite às pessoas estarem em comunicação: o mesmo pensador que diagnosticou nossa miséria por não sabermos ser felizes sozinhos em um quarto (necessitando de “divertimento”, Laf. 622), é aquele mesmo que tece ao final de sua vida uma rede de transportes que leva as pessoas a se encontrarem em uma cidade. É ainda aquele que lançou um concurso geométrico, aguardando respostas de matemáticos de diversas partes da Europa. Pascal buscava, em diferentes instâncias, uma comunhão com os outros – tanto como membros do Corpo de Cristo quanto como membros da sociedade.

Certamente, o pensamento de Pascal guarda muito a ser explorado por nós. Além disso, uma lição que poderíamos tirar de sua vida é que a realidade, assim como as facetas de um autor e de uma pessoa, são muitas. Para falar com o Papa Francisco, cabe abrirmo-nos para explorar a riqueza desse “poliedro” (Fratelli TuttiFT 145).

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