Christus vivit, Cristo vive: a mensagem do Papa Francisco para a juventude

Apresentamos a seguir alguns trechos da exortação pós-sinodal Christus vivit (ChV) do Papa Francisco, publicada em 2019, após a XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e o discernimento vocacional.

Vatican Media

Um jovem não pode estar desanimado; é próprio dele sonhar coisas grandes, buscar horizontes amplos, ousar mais, ter vontade de conquistar o mundo, ser capaz de aceitar propostas desafiadoras e desejar contribuir com o melhor de si mesmo para construir algo superior [… Mas também devem nutrir] um respeito profundo pelos idosos, porque abrigam um tesouro de experiência, experimentaram os êxitos e os fracassos, as alegrias e as grandes tribulações da vida, as esperanças e as desilusões, e, no silêncio do seu coração, guardam tantas histórias que nos podem ajudar a não errar nem nos enganar com falsas miragens (ChV 15-16).

[…] Em alguns jovens, reconhecemos um desejo de Deus, embora não possua todos os delineamentos do Deus revelado. Em outros, podemos vislumbrar um sonho de fraternidade, o que já não é pouco. Em muitos, existe um desejo real de desenvolver as capacidades de que são dotados para oferecerem algo ao mundo. Em alguns, vemos uma sensibilidade artística especial ou uma busca de harmonia com a natureza. Em outros, pode haver uma grande necessidade de comunicação. Em muitos deles, encontramos o desejo profundo de uma vida diferente. Trata-se de verdadeiros pontos de partida, energias interiores que aguardam, disponíveis, uma palavra de estímulo, luz e encorajamento (ChV 84).

[…] O Senhor nos chama a acender estrelas na noite de outros jovens; convida-nos a olhar os verdadeiros astros, ou seja, aqueles sinais tão variados que Ele nos dá para não ficarmos parados […] Deus acende estrelas para nós, a fim de podermos continuar a caminhar: “Às estrelas que brilham alegremente nos seus postos, Ele as chama e elas respondem” (Br 3,34- 35). Mas o próprio Cristo é, para nós, a grande luz de esperança e guia na nossa noite, pois Ele é “a brilhante estrela da manhã” (Ap 22, 16) (ChV 33).

Uma Igreja jovem, para os jovens, que se deixa renovar

Ser jovem, mais do que uma idade, é um estado do coração. Assim, uma instituição antiga como é a Igreja pode renovar-se e voltar a ser jovem em cada uma das várias fases da sua longa história. Com efeito, nos seus momentos mais dramáticos, sente-se chamada a retornar ao essencial do primeiro amor […] Nela, é sempre possível encontrar Cristo, “o companheiro e o amigo dos jovens”. [Mensagem aos jovens ao final do Concílio Vaticano II, 1965] .

Peçamos ao Senhor que liberte a Igreja daqueles que querem envelhecê-la, ancorá-la ao passado, travá-la, torná-la imóvel. Peçamos também que a livre de outra tentação: acreditar que é jovem porque cede a tudo o que o mundo lhe oferece, acreditar que se renova porque esconde a sua mensagem e mimetiza-se com os outros. Não! É jovem quando é ela mesma, quando recebe a força sempre nova da Palavra de Deus, da Eucaristia, da presença de Cristo e da força do seu Espírito a cada dia. É jovem quando consegue voltar continuamente à sua fonte.

Certamente nós, membros da Igreja, não precisamos aparecer como sujeitos estranhos. Todos nos devem sentir irmãos e vizinhos, como os Apóstolos que “tinham a simpatia de todo o povo” (At 2,47; cf. 4,21.33; 5,13). Ao mesmo tempo, porém, devemos ter a coragem de ser diferentes, mostrar outros sonhos que este mundo não oferece, testemunhar a beleza da generosidade, do serviço, da pureza, da fortaleza, do perdão, da fidelidade à própria vocação, da oração, da luta pela justiça e o bem comum, do amor aos pobres, da amizade social.

A Igreja de Cristo pode sempre cair na tentação de perder o entusiasmo, porque deixa de escutar o apelo do Senhor ao risco da fé, a dar tudo sem medir os perigos, e volta a procurar falsas seguranças mundanas. São precisamente os jovens que a podem ajudar a permanecer jovem, não cair na corrupção, não parar, não se orgulhar, não se transformar numa seita, ser mais pobre e testemunhal, estar perto dos últimos e descartados, lutar pela justiça, deixar-se interpelar com humildade (ChV 33-37).

Uma Igreja na defensiva, que perde a humildade, que deixa de escutar, que não permite que a ponham em questão, perde a juventude e converte-se num museu. Como poderá acolher, desse modo, os sonhos dos jovens? Mesmo que detenha a verdade do Evangelho, isso não significa que a tenha compreendido plenamente; pelo contrário, deve crescer continuamente na compreensão desse tesouro inesgotável (ChV 41).

Não se abandona a Mãe. [A história da Igreja] apresenta muitas sombras. Os nossos pecados estão à vista de todos; refletem-se, impiedosamente, nas rugas do rosto milenário da nossa Mãe e Mestra […] Ela não tem medo de mostrar os pecados dos seus membros, que alguns deles às vezes procuram esconder, perante a luz ardente da Palavra do Evangelho que limpa e purifica. E não cessa de repetir cada dia, envergonhada: “Tem compaixão de mim, ó Deus, pela tua bondade; (…) tenho sempre diante de mim os meus pecados” (Sl 51/50, 3.5). Lembremo-nos, porém, que não se abandona a Mãe quando está ferida, mas acompanhamo-la para que tire fora de si mesma toda a sua força e capacidade de começar sempre de novo.

No meio deste drama que justamente nos fere a alma, “o Senhor Jesus, que nunca abandona a sua Igreja, dá-lhe a força e os instrumentos para um caminho novo” (DF 31). Assim, este momento sombrio, com “a ajuda preciosa dos jovens, pode verdadeiramente ser uma oportunidade para uma reforma de alcance histórico” (DF 31) para se abrir a um novo Pentecostes e começar um período de purificação e mudança que dê à Igreja uma renovada juventude. Entretanto, os jovens poderão ajudar muito mais se, de coração, se sentirem parte do “santo e paciente povo fiel de Deus, sustentado e vivificado pelo Espírito Santo”, porque será precisamente este santo povo de Deus que nos libertará do flagelo do clericalismo, que é o terreno fértil para todos estas abominações (ChV 101-102).

O sofrimento dos jovens. “Numerosos no mundo são os jovens que padecem formas de marginalização e exclusão social por razões religiosas, étnicas ou econômicas. Lembramos a difícil situação de adolescentes e jovens que ficam grávidas e a praga do aborto, bem como a propagação do HIV, as várias formas de dependência (drogas, jogos de azar, pornografia etc.) e a situação dos meninos e adolescentes de rua, que carecem de casa, família e recursos econômicos” (Documento Final da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, DF 42). E quando se trata de mulheres, estas situações de marginalização se tornam duplamente dolorosas e difíceis.

Não podemos ser uma Igreja que não chora ao ver esses dramas dos seus filhos jovens. Não devemos jamais habituar-nos a isso, porque quem não sabe chorar, não é mãe. Queremos chorar para que a própria sociedade seja mais mãe, a fim de que, em vez de matar, aprenda a dar à luz, de modo que seja promessa de vida. Choramos ao recordar os jovens que morreram por causa da miséria e da violência e pedimos à sociedade que aprenda a ser uma mãe solidária. Esta dor não passa, acompanha-nos, porque não se pode esconder a realidade. A pior coisa que podemos fazer é aplicar a receita do espírito mundano, que consiste em anestesiar os jovens com outras notícias, com outras distrações, com banalidades.

Talvez aqueles de nós que levamos uma vida sem grandes necessidades não saibamos chorar. Certas realidades da vida só se veem com os olhos limpos pelas lágrimas. Convido-te a perguntar-se: Aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade? Ou o meu não passa do pranto caprichoso de quem chora porque quereria ter mais alguma coisa? Procura aprender a chorar pelos jovens que estão piores do que tu. A misericórdia e a compaixão também se manifestam chorando. Se o pranto não vem, pede ao Senhor que te conceda derramar lágrimas pelo sofrimento dos outros. Quando souberes chorar, então serás capaz de fazer algo, do fundo do coração, pelos outros.

Às vezes, o sofrimento de alguns jovens é lacerante, não pode se expressar com palavras, fere como um soco. Esses jovens só podem dizer a Deus que sofrem muito, que lhes custa imenso continuar adiante, que já não acreditam em ninguém. Mas, nesse grito desolador, fazem-se ouvir as palavras de Jesus: “Felizes os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4). Há jovens que conseguiram abrir caminho na vida, porque lhes chegou esta promessa divina. Junto de um jovem atribulado, possa haver sempre uma comunidade cristã para fazer ressoar aquelas palavras com gestos, abraços e ajuda concreta! (ChV 74-77).

[…] Nos jovens, encontramos também, gravados na alma, os golpes recebidos, os fracassos, as recordações tristes. Muitas vezes “são as feridas das derrotas da sua própria história, dos desejos frustrados, das discriminações e injustiças sofridas, de não se ter sentido amado ou reconhecido”. Além disso, temos “as feridas morais, o peso dos próprios erros, o sentido de culpa por ter errado” (DF 67). Jesus faz-Se presente nessas cruzes dos jovens, para lhes oferecer a sua amizade, o seu alívio, a sua companhia sanadora, e a Igreja quer ser instrumento Dele neste percurso rumo à cura interior e à paz do coração (ChV 83).

Jovens comprometidos

Não deixes que te roubem a esperança e a alegria, que te narcotizem para te usar como escravo de seus interesses. Ousa ser mais, porque o teu ser é mais importante do que qualquer outra coisa; não precisas ter nem parecer. Podes chegar a ser aquilo que Deus, teu Criador, sabe que tu és, se reconheceres o muito a que estás chamado. Invoca o Espírito Santo e caminha, confiante, para a grande meta: a santidade. Assim, não serás uma fotocópia; serás plenamente tu mesmo.

Precisas reconhecer uma coisa fundamental: ser jovem não é apenas a busca de prazeres passageiros e de êxitos superficiais. Para que a juventude cumpra a finalidade que tem no percurso da tua vida, deve ser um tempo de entrega generosa, de oferenda sincera, de sacrifícios que doem, mas que nos tornam fecundos (ChV 107-108).

[…] Queridos jovens, não permitais que usem a vossa juventude para promover uma vida superficial, que confunde beleza com aparência. Sabei, antes, descobrir que há beleza no trabalhador que regressa a casa surrado e desalinhado, mas com a alegria de ter ganhado o pão para os seus filhos. Há uma beleza estupenda na comunhão da família reunida ao redor da mesa e no pão partilhado com generosidade, ainda que a mesa seja muito pobre. Há beleza na esposa mal penteada e já um pouco idosa, que continua a cuidar do seu marido doente, para além das suas forças e da própria saúde. Embora já esteja distante a lua de mel, há beleza na fidelidade dos casais que se amam no outono da vida, naqueles velhinhos que caminham de mãos dadas. Há beleza, para além da aparência ou da estética imposta pela moda, em cada homem e cada mulher que vive com amor a sua vocação pessoal, no serviço desinteressado à comunidade, à pátria, no trabalho generoso a bem da felicidade da família, comprometidos no árduo trabalho, anônimo e gratuito, de restabelecer a amizade social. Descobrir, mostrar e realçar essa beleza, que lembra a de Cristo na cruz, é colocar as bases da verdadeira solidariedade social e da cultura do encontro (ChV 183).

Juntamente com as estratégias do falso culto da juventude e da aparência, hoje se promove uma espiritualidade sem Deus, uma afetividade sem comunidade e sem compromisso com os que sofrem, um medo dos pobres, vistos como seres perigosos, e uma série de ofertas que pretendem fazer-vos crer num futuro paradisíaco que sempre se protelará para mais tarde. Não vos quero propor isso e, com todo o meu afeto, quero recomendar-vos que não vos deixeis dominar por esta ideologia que não vos tornará mais jovens, mas que vos converterá em escravos. Proponho-vos outro caminho, feito de liberdade, de entusiasmo, de criatividade, de novos horizontes, mas cultivando ao mesmo tempo essas raízes que alimentam e sustentam (ChV 184).

Viver uma caridade social e política, buscar o bem comum. É verdade que, às vezes, perante um mundo cheio de tanta violência e egoísmo, os jovens podem correr o risco de se fechar em pequenos grupos, privando-se assim dos desafios da vida em sociedade, de um mundo vasto, estimulante e necessitado. Têm a sensação de viver o amor fraterno, mas o seu grupo talvez se tenha tornado um simples prolongamento do próprio eu. Isso se agrava, se a vocação do leigo for concebida unicamente como um serviço interno da Igreja (leitores, acólitos, catequistas etc.), esquecendo-se de que a vocação laical é, antes tudo, a caridade na família, a caridade social e caridade política: é um compromisso concreto nascido da fé para a construção de uma sociedade nova, é viver no meio do mundo e da sociedade para evangelizar as suas diversas instâncias, fazer crescer a paz, a convivência, a justiça, os direitos humanos, a misericórdia, e assim estender o Reino de Deus no mundo.

Proponho aos jovens irem mais além dos grupos de amigos e construírem a amizade social: buscar o bem comum chama-se amizade social. A inimizade social destrói. E uma família se destrói pela inimizade. Um país se destrói pela inimizade. O mundo destrói-se pela inimizade. E a inimizade maior é a guerra. E hoje vemos que o mundo está a se destruir pela guerra. Porque são incapazes de se sentar e falar (…). Sede capazes de criar a amizade social. Não é fácil; sempre é preciso renunciar a qualquer coisa, é preciso negociar, mas, se o fizermos a pensar no bem de todos, podemos fazer a experiência maravilhosa de deixar de lado as diferenças para lutar juntos por um objetivo comum. Quando se consegue encontrar pontos coincidentes no meio de tantas divergências e, com esforço artesanal e por vezes fadigoso, lançar pontes, construir uma paz que seja boa para todos, isso é o milagre da cultura do encontro que os jovens podem ousar viver com paixão (ChV 168-169).

O Cristianismo é Cristo. ”Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Não prives a tua juventude desta amizade. Poderás senti-Lo a teu lado, e não só quando rezas. Reconhecerás que caminha contigo em todos os momentos. Procura descobri-Lo e viverás a experiência estupenda de saber que estás sempre acompanhado […] Um santo dizia que “o Cristianismo não é um conjunto de verdades em que é preciso acreditar, de leis que se devem observar, de proibições. Apresentado assim, repugna. O Cristianismo é uma Pessoa que me amou tanto que reclama o meu amor. O Cristianismo é Cristo”. (São Oscar Romero) (ChV 156).

[…] Quero fazer uma advertência importante. Acontece em alguns lugares que […] se propõe aos jovens encontros de “formação” nos quais se abordam apenas questões sobre os males do mundo atual, sobre a Igreja, a doutrina social, sobre a castidade, o Matrimônio, o controle da natalidade e sobre outros temas. Resultado: muitos jovens se aborrecem, perdem o fogo do encontro com Cristo e a alegria de O seguir, muitos abandonam o caminho e outros ficam tristes e negativos. Acalmemos a ânsia de transmitir uma grande quantidade de conteúdos doutrinais e procuremos, antes de tudo, suscitar e enraizar as grandes experiências que sustentam a vida cristã. Como dizia Romano Guardini, “na experiência de um grande amor (…) tudo se transforma em um acontecimento no âmbito dessa relação” (ChV 212).

[…] Queridos jovens, ficarei feliz vendo-vos correr mais rápido do que os lentos e medrosos. Correi “atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na Sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre. O Espírito Santo vos impulsione nesta corrida para a frente. A Igreja precisa do vosso ímpeto, das vossas intuições, da vossa fé. Nós temos necessidade disso! E quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por nós” (ChV 299).

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Jorge Daros
Jorge Daros
11 meses atrás

Bela reportagem preparatória à Jornada mundial da Juventude em Lisboa. Parabéns ao ” O São Paulo” por nos levar a belas lembranças das outras jornadas, em especial a do Rio de Janeiro, com o saudoso papa São João Paulo II. Vida longa aos jovens e aos adultos com espírito jovem.