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Contemplar a Deus

No mundo contemporâneo, caracterizado por uma paradoxal solidão hiperconectada e pelos altos níveis de estresse crônico, as pessoas buscam práticas que as ajudem a superar os sintomas depressivos e a ansiedade, a encontrar o outro e construir laços afetivos estáveis. Na vida católica, tudo isso se identifica com a experiência da contemplação. Contemplar a Deus é muito mais do que uma prática de meditação ou um gesto de espiritualidade desvinculado do cotidiano. É encontrar a presença de Deus no cotidiano, entregar-se à companhia de Seu amor. É o fruto mais maduro da oração à qual todo cristão é chamado. Não é algo só para monges, mas uma dimensão – a grande dimensão – do ser cristão no mundo: viver consciente da companhia de Cristo.

Arte: Sergio Ricciuto Conte

A contemplação representa o ponto mais alto da experiência de oração. Mas é pouco conhecida e frequentemente mal compreendida entre os católicos. A difusão das práticas orientais de meditação tornou a questão ainda mais problemática. Muitas vezes se confunde a contemplação com a meditação. Ainda que estejam intimamente ligadas, não são a mesma coisa.

O Catecismo da Igreja Católica (CIC) dedica passagens específicas para nos explicar o que são a meditação (CIC 2705-2708) e a contemplação (CIC 2709-2719). A meditação é um momento de busca mental: procura-se uma resposta, um caminho, uma palavra de consolo ou acolhida. A contemplação corresponde ao relacionamento amoroso entre o buscador e Aquele a quem buscava – que agora o encontrou e se mostra presente (e é Deus que nos encontra e se faz presente em nossa vida, por mais que nós O estejamos buscando).

Uma experiência relacional. A característica emblemática da contemplação, que a distingue das meditações em voga em nossa sociedade atual, é seu caráter relacional. É comum ouvirmos dizer que a meditação nos ajuda a “descobrir nosso próprio eu”, “encontrarmo-nos conosco mesmo”, “vivermos nossa paz interior”.

Nossa cultura individualista desenvolve suas práticas meditativas ou se apropria daquelas de outras tradições em uma perspectiva autocentrada. Somos nós voltados para nós mesmos, fechados em nossos dramas e angústias. Em uma sociedade que nos lança estímulos e demandas contínuas, na qual sempre estamos devendo alguma coisa para nós mesmos, esse mergulho na própria interioridade se revela fundamental e pacificador. Não é à toa que essas práticas fazem tanto sucesso. Mas não são suficientes…

Nosso coração não quer apenas descansar em si mesmo. Temos a exigência estrutural de um encontro, de uma Presença amorosa que dê um sentido bom para nosso caminhar por esta vida. Queremos a paz que só se encontra no regaço amado. Não nos bastamos a nós mesmos, precisamos do Outro (e dos outros) para nos realizarmos. E, na contemplação, vivemos justamente esta experiência relacional que tanto buscamos.

Por isso, ela corresponde àquilo que é mais necessário para nossa vida interior. O contemplativo não é alguém que encontra Deus nas alturas de sua espiritualidade, mas sim alguém que O encontra cotidianamente em meio a suas atividades. As práticas meditativas muitas vezes se encerram em si mesmas, são como momentos de catarse em meio a uma vida atribulada. As práticas contemplativas são um caminho para a descoberta constante da presença de Deus em nossa vida.

A contemplação inaugura uma nova moralidade, determinada não por regras a serem seguidas, mas por uma presença que acompanha toda a existência. A moral cristã, para quem faz a experiência contemplativa, não consiste tanto em fazer isto ou aquilo, mas em estar em companhia de Cristo, agir não como alguém que está sozinho, mas como alguém que está acompanhado… E é tão diferente fazer as coisas sozinhos ou fazê-las em companhia da pessoa a qual se ama!

A contemplação e a ação. Santo Inácio de Loyola consagrou a expressão “contemplação na ação”. Nos ajuda a compreender que a contemplação não pode ser entendida como algo que se faz fora do mundo, em meio às alturas de uma espiritualidade intimista, mas uma prática que pode acontecer no meio do mundo, com sua materialidade e contradições. O perigo está em imaginar, a partir desta expressão, que a ação pode substituir a contemplação – como se esta última fosse apenas uma peculiaridade no âmbito das diversas manifestações da espiritualidade cristã.

Para que a contemplação aconteça na ação, ela deve ser cultivada, tanto na vida pessoal quanto nas estruturas eclesiais. Assim nasceram, ao longo da história da Igreja, ordens de vida contemplativa e ordens de vida ativa. Umas não se contrapõem às outras, mas se integram para criar a experiência católica, em toda a sua riqueza e aderência às necessidades do nosso coração.

Esperamos que este Caderno Fé e Cultura seja uma ajuda para que todos nós possamos mergulhar cada vez mais na prática da contemplação, em uma verdadeira experiência relacional com Deus, dentro do mundo e em ação pelo bem do mundo.

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