Elogio da Sede reúne as meditações do retiro de Quaresma pregado à Cúria Romana em 2018. O autor é José Tolentino de Mendonça, cardeal português que desde 2022 ocupa o posto de Prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação do Vaticano.
Uma das principais características da obra é a capacidade de explicitar o diálogo entre a fé e a cultura contemporânea, ressaltando que o fato cristão representa uma resposta válida para o homem de hoje e para as circunstâncias concretas que ele está convidado a enfrentar. É por isso que o livro recorre não apenas a autores consagrados do pensamento católico, mas também a diversas vozes menos comuns em obras do gênero, tais como Fernando Pessoa, Clarice Lispector e outros.
Como indica o título, o tema central das reflexões é a “sede”, a carência e o desejo, característicos de todo homem. Mas num mundo que exalta o atendimento imediato a todos os nossos impulsos (como se a vida fosse um imenso supermercado), muitas vezes deixamos de olhar para nossa sede real: vivemos, então, uma indiferença, “desvitalização” ou “ausência” de nós mesmos, fenômeno que se manifesta de múltiplas formas nos dias de hoje. Acima de tudo, porém, o enfraquecimento das exigências que nos constituem leva também ao esquecimento da razoabilidade da fé, que parece não responder mais ao nosso coração. Assim, a primeira contribuição do autor é ajudar-nos a resgatar a verdadeira dimensão de nossa sede: o desejo infinito e o desejo de infinito, nas palavras do autor.
Isso requer, acima de tudo, estarmos disponíveis para o “espanto”, que é o oposto de permanecer comodamente no terreno das coisas já sabidas. Com efeito, o primeiro capítulo já principia de modo surpreendente, pois, em vez de discorrer sobre o desejo que caracteriza o coração humano, é da sede de Jesus que ele parte, retomando o episódio do encontro com a samaritana, no qual é Ele mesmo quem roga: “Dá-me de beber”. Jesus também tem sede do amor de cada um de nós, e pede humildemente uma resposta de nossa parte.
Outra qualidade do livro é ajudar-nos a compreender que a sede é essencial para a caminhada na fé, pois ela pode ser o ponto de partida para um relacionamento pessoal mais autêntico com Cristo.
Santo Agostinho disse que nosso coração anda inquieto enquanto não descansa n’Ele. Mas é preciso não esquecer que, paradoxalmente, a fé não elimina nosso desejo e nossa busca. Elogio da Sede relembra-nos de que a chama do desejo deve continuar a arder sempre, porque, por um lado, é no encontro com Cristo que tomamos consciência da profundidade de nossas exigências e nos tornamos capazes de levá-las a sério, sem fugir de sua dramaticidade; e, por outro lado, porque, fora da lealdade conosco mesmos, com nossos anseios e limitações, a fé torna-se fria e formal, como uma piedosa lembrança que já não é mais capaz de nos fascinar hoje.
Por fim, os últimos capítulos do livro nos lembram que o aguilhão do desejo é o que permite à Igreja permanecer “em saída”, aberta ao encontro com os outros. Ou seja: a fidelidade à sede que nos constitui é essencial também para que a fé se torne cultura. Por isso, a questão do desejo são se resume a uma dimensão intimista: a retomada de nossas exigências fundamentais é essencial para que continuem a brotar a criatividade e a paixão pelo homem, das quais nasceram tantas respostas novas para os desafios da vida concreta nos últimos dois mil anos – respostas tão ou mais necessárias também no mundo de hoje.