O Papa Francisco, nos trechos a seguir da Dilexit nos, retoma a história da devoção ao Sagrado Coração de Jesus no magistério recente da Igreja.
Dilexit nos (DN 78-88, 167-168)
No final do século XIX, Leão XIII convidava-nos a consagrarmo-nos ao Coração de Cristo e, na sua proposta, unia, ao mesmo tempo, o apelo à união com Cristo e a admiração perante o esplendor do seu amor infinito [na encíclica Annum Sacrum]. Cerca de trinta anos depois, Pio XI apresentou esta devoção como o resumo da experiência da fé cristã (Miserentissimus Redemptor, MR 3). Além disso, Pio XII sustentou que o culto do Sagrado Coração exprime de forma excelente, como uma síntese sublime, a nossa adoração a Jesus Cristo (Haurietis Aquas, HA 4, 43, 52).
Mais recentemente, São João Paulo II apresentou o desenvolvimento deste culto nos séculos passados como uma resposta ao crescimento de formas de espiritualidade rigoristas e desencarnadas que esqueciam a misericórdia do Senhor, mas ao mesmo tempo como um apelo contemporâneo a um mundo que procura construir-se sem Deus: “A devoção ao Sagrado Coração, do modo como se desenvolveu na Europa há dois séculos, sob o impulso das experiências místicas de Santa Margarida Maria Alacoque, foi a resposta à rigorosidade jansenista, que tinha acabado por menosprezar a infinita misericórdia de Deus. […] O homem do Ano 2000 tem necessidade do Coração de Cristo para conhecer Deus e para se conhecer a si mesmo; tem necessidade dele para construir a civilização do amor” (Catequese [in] L’Osservatore Romano, ed. semanal em português, 11/06/1994).
Bento XVI convidava a reconhecer o Coração de Cristo como uma presença íntima e cotidiana na vida de todos: “Cada pessoa precisa de um ‘centro’ da própria vida, de uma fonte de verdade e de bondade da qual haurir no suceder-se das diversas situações e na fadiga do cotidiano. Cada um de nós, quando se detém no silêncio, precisa ouvir não só o palpitar do próprio coração, mas, mais em profundidade, o pulsar de uma presença de confiança, perceptível com os sentidos da fé e contudo muito mais real: a presença de Cristo, coração do mundo” (Alocução do Angelus, 01/06/2008) […]
O Coração de Cristo nos liberta, ao mesmo tempo, de outro dualismo: o de comunidades e pastores concentrados apenas em atividades exteriores, em reformas estruturais desprovidas de Evangelho, em organizações obsessivas, em projetos mundanos, em reflexões secularizadas, em várias propostas apresentadas como requisitos que, por vezes, se pretendem impor a todos. O resultado é, muitas vezes, um Cristianismo que esqueceu a ternura da fé, a alegria do serviço, o fervor da missão pessoa a pessoa, a cativante beleza de Cristo, a gratidão emocionante pela amizade que Ele oferece e pelo sentido último que dá à vida. Em suma, outra forma de transcendentalismo enganador, igualmente desencarnado […]
É preciso voltar à Palavra de Deus para reconhecer que a melhor resposta ao amor do seu Coração é o amor aos irmãos; não há maior gesto que possamos oferecer-lhe para retribuir amor por amor. A Palavra de Deus diz com toda a clareza: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40). “Toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra: Ama o teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5, 14). “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama, permanece na morte” (1 Jo 3, 14). “Aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 20).
O amor aos irmãos não se fabrica, não é fruto do nosso esforço natural, mas exige uma transformação do nosso coração egoísta. Nasce, então, espontaneamente a célebre súplica: “Jesus, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso”. Por isso mesmo, o convite de São Paulo não era: “Esforçai-vos por fazer boas obras”. O seu convite era mais precisamente: “Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” (Fl 2, 5).