Francisco e a economia que faz viver

O Papa Francisco sempre deu grande importância às questões econômicas. É bem conhecida sua condenação à “economia que mata”, mas também encontramos, em seu magistério, o estímulo à construção de uma economia que faz viver, como demonstrado pela Economy of Francesco, que congrega milhares de jovens e inumeráveis projetos em todo o mundo.

O século XX foi aquele em que se tentou uma crítica sistemática do capitalismo, mas justamente no momento em que este atingia o seu apogeu. O movimento socialista e o movimento social-cristão tinham em comum a busca de algo novo que superasse a forma capitalista sem renunciar a muitos dos elementos civilizatórios do mercado – as muitas ‘terceiras vias’.

No século XXI, o capitalismo tornou-se o ambiente em que vivemos e pensamos e, por isso, perdemos a capacidade cultural de olhá-lo, analisá-lo e criticá-lo, para poder colocar-lhe as questões fundamentais da justiça, da verdade e da igualdade. Mesmo as diversas formas de empresa responsável, ou a própria economia social e sem fins lucrativos, muitas vezes são concebidas dentro da lógica capitalista, à qual seguem, e se mostram cada vez mais necessárias para o bom funcionamento do sistema. Na verdade, como o sociólogo francês Luc Boltanski há muito lembra, a característica típica desse capitalismo é sua capacidade de “reciclar” seus inimigos e colocá-los a seu serviço.

Nos tempos de São João Paulo II e Bento XVI, a Igreja geralmente subestimou o significado ‘religioso’ e idolátrico do capitalismo, porque estava comprometida, em um caso, com a luta contra o comunismo e, no outro, na batalha teológica contra o relativismo – e não percebeu que um inimigo muito mais sutil estava vestido com a roupagem cultural do Cristianismo (como nos lembrava W. Benjamin: o capitalismo é um parasita do Cristianismo), ocupando a alma do Ocidente e do mundo inteiro.

A economia que mata. Neste clima cultural dentro e fora da Igreja, o discurso do Papa Francisco sobre a economia representa uma descontinuidade em relação aos seus predecessores imediatos, embora esteja ligado, de certa forma, à Popolorum progressio de São Paulo VI.

O Papa Bergoglio escreveu a primeira palavra sobre economia, em seu pontificado, na noite de 13 de março de 2013, quando escolheu seu nome. Francisco é uma mensagem, uma mensagem plural, e é, também, uma mensagem para a economia. Não é apenas sobre a pobreza, porque Francisco é também uma mensagem dirigida à teoria econômica e às finanças. A primeira escola de economia da Idade Média floresceu dos franciscanos, e deles nasceram os primeiros bancos populares europeus: são os Monti di Pietà, centenas de instituições de crédito nascidas dos observantes franciscanos entre 1458 e o Concílio de Trento. Francisco de Assis não é só pobreza, é também riqueza, ainda que na perspectiva paradoxal e profética do Evangelho, que proclama “bem-aventurados os pobres”.

O Papa Francisco atribuiu imediatamente grande importância à economia. Suas encíclicas, incluindo Amoris laetitia – sobre a família, têm muitas palavras e parágrafos dedicados às questões econômicas. Percorrendo seu ensinamento econômico da Evangelii gaudium (EG) à mensagem para os jovens da ‘Economia de Francisco’ em Assis em setembro de 2022, podemos tentar um primeiro balanço e dar uma primeira olhada no todo.

No início, o Papa Bergoglio apresentou uma visão crítica e substancialmente negativa da economia, que via essencialmente como um lugar de exploração dos pobres, que descartava pessoas e produtos para o meio ambiente. Este é o sentido das teses da Evangelii gaudium, encerradas na sua frase mais conhecida: a economia que mata (EG 53ss).

Esse seu olhar crítico sobre a economia surgiu, sobretudo, da sua visão das finanças, que acabou por abarcar toda a realidade econômica. Além disso, a grande atenção de Francisco à ecologia e ao meio ambiente (outra nota franciscana) produziu e produz um julgamento muito duro sobre o capitalismo que está prejudicando seriamente a criação.

A economia que faz viver. Ao longo dos anos, graças ao diálogo e à sua capacidade de escuta, Francisco explicitou mais a coexistência, na economia, entre a luz e a sombra, o trigo e o joio, os vícios e as virtudes, falando inclusive da economia do ‘bom samaritano’, a parábola em torno da qual construiu a Fratelli tutti, que na Igreja cresce ao lado da ‘economia de Judas’ e que a supera (Discurso na Assemhttps://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2022/september/documents/20220912-confindustria.htmlbleia da Confindustria, 12/set./2022).

Esse olhar mais positivo inspira também todas as suas quatro mensagens (2019, 2020, 2021, 2022) aos jovens da ‘Economia de Francisco’ – até porque, se falamos aos jovens, a crítica deve ser sempre acompanhada de um olhar generoso, que é essencial para eles (mas também para todos). O sistema econômico de amanhã só vai melhorar se, ao mesmo tempo em que denunciamos a economia que mata, apontamos para aquela outra economia que faz viver.

Habitar a ambivalência. Em conclusão, a avaliação espiritual e ética da economia do Papa Francisco é marcada pela ambivalência. A vida econômica nada mais é do que uma expressão da vida dos indivíduos e dos povos – e a vida é ambivalente. A antropologia bíblica sabe que Adão é o pai de Abel e Caim, assim como sabe que Judas foi um dos doze apóstolos, não apenas o administrador das finanças da comunidade.

Habitar a ambivalência da economia significa, sobretudo, evitar as ideologias, de direita ou de esquerda, que, esquecendo essa ambivalência, consideram apenas os aspectos bons ou maus de cada posição econômica, como se estes representassem tudo.

O magistério de Francisco é, portanto, uma cura para a ideologia econômica dominante, uma cura que é a expressão concreta de um dos princípios metodológicos que ele enunciou no início de seu pontificado: a realidade é superior à ideia. Até na economia.

Gostaria de vos deixar três indicações:

1ª.) Olhai para o mundo por meio dos olhos dos mais pobres. O movimento franciscano soube inventar na Idade Média as primeiras teorias da economia e até os primeiros bancos solidários (montepios), porque olhava para o mundo com os olhos dos mais pobres […] Mas para ter o olhar dos pobres e das vítimas é preciso conhecê-los, é preciso ser amigo deles. E, acreditai em mim, se vos tornardes amigos dos pobres, se partilhardes a vida deles, também partilhareis algo do Reino de Deus, porque Jesus disse que deles é o Reino dos Céus, e por isso são bem-aventurados (cf. Lc 6, 20).

2ª.) Sois, sobretudo, estudantes, estudiosos e empresários, mas não vos esqueçais do trabalho, não vos esqueçais dos trabalhadores. O trabalho das mãos. O trabalho é agora o desafio do nosso tempo, e será ainda mais o desafio de amanhã. Sem trabalho digno e bem remunerado, os jovens não se tornam realmente adultos, as desigualdades aumentam. Às vezes, consegue-se sobreviver sem trabalho, mas não se vive bem. Por conseguinte, enquanto criais bens e serviços, não vos esqueçais de criar trabalho, trabalho bom e trabalho para todos.

3ª.) Encarnação. Em momentos cruciais da história, quem soube deixar uma boa marca, fê-lo porque traduziu os ideais, os desejos e os valores em obras concretas. Ou seja, encarnou-os. Além de escrever e fazer congressos, aqueles homens e mulheres deram vida a escolas e universidades, a bancos, sindicatos, cooperativas e instituições. Mudareis o mundo da economia se, com o coração e a cabeça, usardes também as mãos […] As obras são menos “luminosas” do que as grandes ideias, porque são concretas, particulares, limitadas, com luz e sombra ao mesmo tempo, mas dia após dia fecundam a terra: a realidade é superior à ideia (cf. Evangelii gaudium, EG 233).

(Discurso aos participantes da ‘Economia de Francisco’, 24/set/2022)

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