J. Ratzinger – Bento XVI: roteiros de leitura

A produção intelectual de Joseph Ratzinger / Bento XVI foi vasta, abrangente e profunda. Leituras parciais e interpretações deturpadas frequentemente dificultaram ainda mais a compreensão de sua obra. O roteiro a seguir podem ajudar a uma boa compreensão de sua obra.

Imagem: Luciney Martins / O São Paulo

Muitos me perguntam como começar a ler Ratzinger – Bento XVI. A resposta depende sempre dos objetivos do interessado. De qualquer modo, eu sugiro que todos comecem com a autobiografia dele (Lembranças de minha vida, São Paulo: Paulinas, 2007) e biografias sérias, como as de Pablo Blanco, Peter Seewald, Elio Guerriero. Familiarizem-se com as pessoas e os lugares da vida do teólogo e papa alemão. Para aqueles que querem estudá-lo para fins acadêmicos, sugiro que obedeçam à lógica que ele mesmo deu às suas Obras Completas (em fase de publicação pelas Edições CNBB) seguindo os seguintes temas: Santo Agostinho e a doutrina sobre a Igreja; São Boaventura, Revelação e Teologia da História; O Deus da fé e o Deus dos filósofos; Introdução ao Cristianismo; Criação – Antropologia – Mariologia; Jesus de Nazaré. Cristologia Espiritual; O Concílio Vaticano II, evento e hermenêutica; Eclesiologia e Ecumenismo; Revelação, Escritura e Tradição; Escatologia – Ressurreição e vida eterna; Teologia da Liturgia; Teologia do ministério ordenado. Lembro, ainda, que a sua obra está disponível em língua portuguesa ainda de forma muito fragmentada. Então, que se tenha consciência de que será preciso lê-lo em outros idiomas, com um certo investimento de tempo e de dinheiro, para sair do diletantismo para a especialização.

Mas se os objetivos dos leitores forem menos audaciosos, mais livres – mas não menos legítimos do que os acadêmicos – só para fins de crescimento pessoal, intelectual ou espiritual, ou para o seu serviço eclesial, depois da parte biográfica eu indicaria a leitura da trilogia Jesus de Nazaré (São Paulo: Edições Planeta, 2020) e de A filha de Sião (São Paulo: Paulus, 2013) seguidos por Introdução ao Espírito da Liturgia (São Paulo: Loyola, 2013), que embora bastante técnico, trata de um tema muito familiar, o que pode ser de alguma ajuda na compreensão; O novo povo de Deus (São Paulo: Molokai, 2019) e, se tiver fôlego e alguma base filosófica, O Deus da fé e o Deus dos filósofos (Tubarão, SC: Escola Ratzinger, 2022)e Introdução ao Cristianismo. (São Paulo: Loyola, 2005). Não sugiro Introdução ao Cristianismo como uma introdução a Ratzinger.Nesse segundo percurso, os leitores terão passado pelas grandes áreas às quais ele se dedicou: cristologia, mariologia, eclesiologia, liturgia, teologia fundamental e ao dogma de modo geral. A vantagem desse segundo itinerário é que (quase) tudo já está em língua portuguesa e em comercialização.

Se os nossos leitores estiverem mais interessados no Papa do que no teólogo, recomendo que se concentrem inicialmente nas suas encíclicas – Deus caritas est, Spe salvi, Caritas in veritatee, por que não, naquela publicada por Francisco mas escrita em sua maior parte por Bento XVI, Lumen fidei – passando às suas catequeses sobre os Apóstolos, sobre Paulo, sobre os Padres e os Doutores da Igreja, os Mestres Medievais e as Santas Mulheres, para concluir com aquelas com as quais ele começou a tratar do Ano da Fé. Se os leitores forem sacerdotes ou seminaristas, não percam o que ele falou no Ano Sacerdotal. Nesta lista não poderiam faltar os grandes discursos de Bento XVI que tratam de fé e razão, fé e ciência, fé e política: a lectio na Universidade de Regensburg (12/09/2006); para o mundo da cultura em Paris, no Collège des Bernardins (12/09/2008); para a Universidade La Sapienza, não pronunciado por uma insensata oposição de alguns professores e alunos daquela instituição, mas felizmente publicado (15/01/2008); e aqueles para os Parlamentos inglês (17/09/2010) e alemão (22/09/2011).  Sua visão sobre o Vaticano II e a sua hermenêutica do evento aparecem no seu discurso natalício à Cúria Romana, no início do seu pontificado (22/12/2005) e naquele, a braccio, ao clero romano, no fim dele (14/02/2013). Não há como entender o nosso autor sem o pano de fundo do último Concílio universal.

Por fim, aos leitores que querem uma vista panorâmica do pensamento de Ratzinger sobre os temas mais variados, digo-lhes que sigam a trilha dos seus livros-entrevista: o primeiro, Relatório sobre a fé (Tubarão, SC: Escola Ratzinger, 2021)com o italiano Vittorio Messori; os seguintes com o alemão Peter Seewald, já mencionado, que são O sal da terra (Campinas: Ecclesiae, 2021), Deus e o mundo (São Paulo: Molokai, 2021), Luz do mundo (Campinas: Ecclesiae, 2021), Últimas conversas (Amadora, Portugal: Dom Quixote, 2016) ou Último Testamento (São Paulo: Planeta, 2017).

Aos corajosos e curiosos, aos admiradores e críticos, eu digo o mesmo: vamos às fontes de Ratzinger – Bento XVI. Deixemos de lado as caricaturas, a favor dele ou contra ele. Ele é irrotulável: não pode ser reduzido a martelo dos progressistas nem a um grande curador de museu tradicionalista ou reacionário. Foi teólogo católico, papa da Igreja católica, em pleno sentido. Viveu na Igreja e para a Igreja. Sabendo que ela é do Senhor, não dos bispos e – para a surpresa de muitos – nem dos teólogos.

Ratzinger – Bento XVI serviu à Igreja escrevendo a lápis e é no papel que vamos encontrar o seu espírito, o seu legado, não como letra morta, mas como algo vivo que nos conduz a Cristo.

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