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Leão XIV fala-nos da esperança

Selecionamos, a seguir, alguns trechos dos pronunciamentos recentes do Papa Leão XIV, nos quais ele nos fala da esperança, do abandonar-se ao amor incomensurável de Deus. Da beleza da arte, que revela, mesmo que inadvertidamente, a intuição de Deus no coração humano, até o compromisso social que brota da experiência da fé, Leão XIV retoma, com seu estilo próprio, a mensagem de Francisco e de seus antecessores: Cristo é nossa esperança e quem está centrado em Deus reconhece sua presença na história.

“Estou feliz por vos dar as boas-vindas a esta minha primeira Audiência geral. Hoje, retomo o ciclo de catequeses jubilares sobre o tema ‘Jesus Cristo, nossa esperança’, iniciadas pelo Papa Francisco. Continuamos a meditar sobre as parábolas de Jesus, que nos ajudam a redescobrir a esperança, porque nos mostram como Deus age na história. 

[…] Um semeador muito original sai para semear (cf. Mt 13,1-17), mas não se preocupa com o lugar onde a semente cai. Lança a semente até onde é improvável que dê fruto: ao longo da estrada, entre as pedras, no meio dos arbustos. Esta atitude surpreende o ouvinte, levando-o a questionar-se: como é possível?

Estamos habituados a calcular as coisas – e às vezes é necessário – mas isto não vale no amor! O modo como este semeador ‘esbanjador’ lança a semente é uma imagem da maneira como Deus nos ama. Aliás, é verdade que o destino da semente depende também do modo como o terreno a acolhe e da situação em que se encontra, mas nesta parábola Jesus diz-nos, sobretudo, que Deus lança a semente da Sua Palavra em todos os tipos de solo, isto é, em qualquer uma das nossas situações: às vezes, somos mais superficiais e distraídos; outras vezes, deixamo-nos levar pelo entusiasmo; por vezes, sentimo-nos oprimidos pelas preocupações da vida, mas há também momentos em que estamos disponíveis e somos acolhedores. Deus confia e espera que, mais cedo ou mais tarde, a semente floresça. É assim que nos ama: não espera que nos tornemos o melhor terreno, concede-nos sempre generosamente a Sua Palavra. Talvez precisamente vendo que Ele confia em nós, nasça em nós o desejo de ser uma terra melhor. Esta é a esperança, fundada na rocha da generosidade e da misericórdia de Deus.

[…] Tenho em mente aquela maravilhosa pintura de van Gogh: O semeador ao pôr do sol. Aquela imagem do semeador sob o sol ardente fala-me também do trabalho do camponês. E surpreende-me que, por detrás do semeador, van Gogh tenha representado o grão já maduro. Parece-me exatamente uma imagem de esperança: de uma maneira ou de outra, a semente deu fruto. Não sabemos bem como, mas é assim! Contudo, no centro da cena não está o semeador, que se encontra de lado, mas toda a pintura é dominada pela imagem do sol, talvez para nos recordar de que é Deus quem move a história, embora às vezes pareça ausente ou distante. É o sol que aquece os torrões da terra, fazendo amadurecer a semente” (Catequese de 21 de maio de 2025).

A esperança, os pobres e o compromisso cristão. “‘Tu és a minha esperança, ó Senhor Deus’ (Sl 71,5). Essas palavras emanam de um coração oprimido por graves dificuldades: ‘Fizeste-me sofrer grandes males e aflições mortais’ (Sl 71,20), diz o Salmista. Apesar disso, o seu espírito está aberto e confiante, porque, firme na fé, reconhece o amparo de Deus e o professa: ‘És o meu rochedo e a minha fortaleza’ (Sl 71,3). Daí deriva a confiança inabalável de que a esperança Nele não decepciona: ‘Em ti, Senhor, me refugio, jamais serei confundido’ (Sl 71,1).

No meio das provações da vida, a esperança é animada pela firme e encorajadora certeza do amor de Deus, derramado nos corações pelo Espírito Santo. Por isso, ela não decepciona (cf. Rm 5,5) e São Paulo pôde escrever a Timóteo: ‘Pois se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo’ (1 Tm 4,10). O Deus vivo é, verdadeiramente, o ‘Deus da esperança’ (Rm 15,13), que em Cristo, pela sua Morte e Ressurreição, se tornou a ‘nossa esperança’ (1 Tm 1,1). Não podemos esquecer que fomos salvos nesta esperança, na qual precisamos permanecer enraizados.

O pobre pode tornar-se testemunha de uma esperança forte e confiável, precisamente porque professada em uma condição de vida precária, feita de privações, fragilidade e marginalização. Ele não conta com as seguranças do poder e do ter; pelo contrário, sofre-as e, muitas vezes, é vítima delas. A sua esperança só pode repousar em outro lugar. Reconhecendo que Deus é a nossa primeira e única esperança, também nós fazemos a passagem entre as esperanças que passam e a esperança que permanece […] A pobreza mais grave é não conhecer a Deus. Recordou-nos isso o Papa Francisco quando escreveu na Evangelii gaudium: ‘A pior discriminação que sofrem os pobres é a falta de cuidado espiritual. A imensa maioria dos pobres possui uma especial abertura à fé; tem necessidade de Deus e não podemos deixar de lhe oferecer a Sua amizade, a Sua bênção, a Sua Palavra, a celebração dos sacramentos e a proposta de um caminho de crescimento e amadurecimento na fé’ (EG 200). Há aqui uma consciência fundamental e totalmente original sobre como encontrar em Deus o próprio tesouro. Realmente, insiste o apóstolo João: ‘Se alguém disser: ‘Eu amo a Deus’, mas tiver ódio ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê’ (1 Jo 4, 20) […]

A esperança cristã, à qual a Palavra de Deus remete, é certeza no caminho da vida, porque não depende da força humana, mas da promessa de Deus, que é sempre fiel. Por isso, desde os primórdios, os cristãos quiseram identificar a esperança com o símbolo da âncora, que oferece estabilidade e segurança. A esperança cristã é como uma âncora, que fixa o nosso coração na promessa do Senhor Jesus, que nos salvou com a Sua Morte e Ressurreição e que retornará novamente no meio de nós. Esta esperança continua a indicar como verdadeiro horizonte da vida os ‘novos céus’ e a ‘nova terra’ (2 Pe 3,13), a existência de todas as criaturas encontrará o seu sentido autêntico, visto que a nossa verdadeira pátria está nos céus (cf. Fl 3,20).

Consequentemente, a cidade de Deus compromete-nos com as cidades dos homens, que, desde agora, devem começar a assemelhar-se àquela. A esperança, sustentada pelo amor de Deus derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5,5), transforma o coração humano em terra fértil, na qual pode germinar a caridade para a vida do mundo […] O convite bíblico à esperança traz consigo o dever de assumir, sem demora, responsabilidades coerentes na história. Com efeito, a caridade é ‘o maior mandamento social’ (Catecismo da Igreja Católica, 1889). A pobreza tem causas estruturais que devem ser enfrentadas e eliminadas. À medida que isso acontece, todos somos chamados a criar novos sinais de esperança que testemunhem a caridade cristã, como fizeram, em todas as épocas, muitos santos e santas […] Os pobres não são um passatempo para a Igreja, mas sim os irmãos e irmãs mais amados, porque cada um deles, com a sua existência e, também, com as palavras e a sabedoria que trazem consigo, levam-nos a tocar com as mãos a verdade do Evangelho”. (Mensagem antecipada do Papa Leão XIV para o Dia Mundial dos Pobres de 2025)

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