Maria Salus Populi Romani: mensagem de um pontificado

A bela e comovente relação do Papa Francisco com a Mãe de Deus e nossa

Vatican Media

Há pouco tempo, o Papa Francisco manifestou seu desejo de ser enterrado na Basílica de Santa Maria Maior, algo inusitado, considerando o costume dos papas do último século que foram todos enterrados na Basílica de São Pedro. Por trás desta decisão, há muito mais que seu habitual estilo de romper esquemas preestabelecidos. Antes e depois das suas viagens internacionais, ele faz questão de passar pela mesma basílica para se encomendar aos cuidados de Nossa Senhora Salus Populi Romani. Quando fez dez anos de pontificado, já superava mais de cem visitas a este lugar próprio da devoção do povo romano. Nada disso é simples coincidência, pois os gestos deste Papa são especialmente carregados de significado, visto que ele costuma pregar mais com ações do que somente com palavras.

De fato, em seu primeiro ato como Pontífice, no dia seguinte à eleição e à sua inesquecível aparição na varanda central da Basílica de São Pedro, Francisco fez uma peregrinação à Basílica de Santa Maria Maior, para confiar a Maria o seu pontificado. Esse é um dos poucos lugares que Bergoglio conhecia e visitava com frequência quando ia a Roma: “Não conheço Roma. São poucas as coisas que conheço. Entre elas está a Basílica de Santa Maria Maior: costumava ir sempre”, revelou em uma entrevista concedida ao jesuíta Antonio Spadaro. Naquele 14 de março de 2013, ele estava novamente lá e levava flores nas mãos.

Convergências marianas. O ícone de Nossa Senhora venerado na basílica tem o título Salus Populi Romani. As três palavras têm um significado que, conscientemente ou não, marcam a piedade e a teologia do Papa Francisco. Já nos seus primeiros gestos e palavras, totalmente improvisados, na sacada da Igreja de São Pedro, Bergoglio “revelou” – provavelmente sem se dar conta – a importância que essas três palavras têm para ele e para o pontificado que se inaugurava. Um paralelo entre o significado de cada uma delas com o breve discurso de Bergoglio em 13 de março de 2013 é muito iluminante:

Salus: significa literalmente saúde, salvação, mas também é frequentemente entendida como protetora do povo romano. A imagem de Maria como protetora, que cobre o povo com seu “manto protetor” é, sem dúvida, uma das favoritas de Bergoglio (MELLO, A.A. Ela é minha Mãe! Encontros do Papa Francisco com Maria. São Paulo: Loyola, 2014). Na sua primeira saudação, na sacada de São Pedro, seu primeiro pedido foi uma oração pelo bispo emérito, Bento XVI, “para que o Senhor o abençoe e Nossa Senhora o proteja”. Foi a primeira menção mariana do seu ministério petrino, associada à proteção de Nossa Senhora e à saúde do anterior Bispo de Roma.

Populi: significa “do povo”, palavra extremamente importante no vocabulário de Bergoglio e de seus amigos da teologia argentina do povo. Ainda na sua primeira saudação, disse: “Agora iniciamos este caminho: bispo e povo”. Palavras simples, mas programáticas, confirmadas por um gesto que surpreendeu a todos, talvez menos aos que já o conheciam lá no “fim do mundo”, onde os cardeais foram buscá-lo. “Antes de o bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me proteja; é a oração do povo, pedindo a bênção para o seu bispo”. E inclinou-se para receber a oração do povo. Mais uma vez: nem povo nem proteção são palavras neutras.

Romani: É o povo romano, de quem Maria é protetora. Também não é por acaso que o Papa visita com frequência a padroeira dos romanos. Sua primeira aparição pública foi “uma aula de eclesiologia”, como salientou Dom Odilo Scherer: o tempo todo se referiu a si mesmo e a Bento XVI como “Bispo de Roma” e, ao povo, como a “Igreja de Roma”, seus diocesanos desta “cidade tão bela”: “O dever do conclave era dar um bispo a Roma… A comunidade diocesana de Roma tem o seu bispo… quero fazer uma oração pelo nosso bispo emérito… [Iniciamos] este caminho da Igreja de Roma, que é aquela que preside a todas as Igrejas na caridade”.

Bispo de Roma e do povo. Esta última expressão (Roma, que preside a todas as Igrejas na caridade) é uma alusão direta a Inácio de Antioquia (ca. 35-109), voltando-se às fontes patrísticas para entender o lugar do bispo de Roma em relação às outras Igrejas. Uma afirmação de grande valor eclesiológico e ecumênico, que não passou despercebida aos ouvintes, dentro e fora da Igreja, dando pistas para uma “conversão do papado” (Evangelii Gaudium, EG 32), como ele próprio viria a formular, uma nova “forma de exercício do ministério petrino”, como já tinha pedido seu antecessor João Paulo II. Sem excluir sua missão universal, sua primeira tarefa e principal título é ser “Bispo de Roma”.

Não está claro se Francisco tem plena consciência de todas essas associações implícitas no título de Nossa Senhora Salus Populi Romani. No entanto, ao se aprofundar na piedade e na teologia praticada pelo Papa desde o primeiro dia do seu mandato, não é surpreendente que ele tenha tanto carinho por ela e peregrine constantemente para visitá-la. É, sem dúvida, uma invocação mariana muito apropriada para expressar a piedade popular mariana de Francisco e sua visão de Igreja.

Numa entrevista a nós concedida, o Cardeal Víctor Fernández, atual Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé e um dos maiores conhecedores do Papa Francisco, não hesita em indicar a relação que existe entre a prática de visitar a Salus Populi Romani e a teologia do primeiro Papa argentino. Referindo-se à piedade popular mariana de Bergoglio, Fernández afirma:

“A experiência que ele vê no povo o estimula a uma confiança muito filial e muito firme em Maria… assim como quando ele se dirige à Salus Populi Romani… Porque ele poderia ir a outras imagens, a outras invocações”. O Papa “vai [lá] porque considera que a Salus Populi Romani é objeto de uma devoção um pouco underground, digamos; é uma devoção muito popular, de pessoas que não são vistas em outros lugares, mas ele vai encontrá-las ali. Existe toda uma tradição popular romana em relação ao auxílio da Salus Populi Romani em momentos de crise da cidade… Então está mais interessado na Salus Populi Romani do que na Pietà de Michelangelo”.

Um coração mariano e universal. Por outro lado, quando vai a Santa Maria Maior, Bergoglio está pensando em sua missão universal. O que ele vive com Nossa Senhora em Roma é o que deseja para a Igreja universal, tanto que vincula essas visitas às suas viagens internacionais, como já se disse. De fato, já naquela sua primeira peregrinação – a de 14 de março de 2013 – no final da visita, ocorreu outro breve episódio que revela um pouco mais do coração mariano de Francisco. Seu coração romano também é universal. Conforme narra o jornalista Sérgio Mora, ao sair da basílica romana, Francisco saudou as pessoas que lá trabalham, religiosos, religiosas, agentes de segurança e outros. Um por um. Nesse momento, uma freira lhe disse: “Sou mexicana”. E o Papa imediatamente respondeu: “Eu também sou guadalupano”, referindo-se à Virgem de Guadalupe, Padroeira do México e de toda a América. Outra religiosa mexicana ali presente relatou: “Também o cumprimentei e lhe disse: sou mexicana, guadalupana, e o Papa me respondeu com um sorriso”.

Mais que querer agradar aos mexicanos, Francisco fez referência ao seu marianismo originário. Iria se esforçar para que este fosse cada vez mais “romano”, mas jamais deixaria de ser “latino-americano”.

De fato, que este Papa é “guadalupano”, pode-se verificar pelas mensagens e homilias que proferiu em Roma por ocasião da festa de Nossa Senhora de Guadalupe, embora não seja uma festa da Igreja universal. No primeiro destes discursos, Francisco recordou que Maria de Guadalupe se mostra próxima “como uma mãe atenciosa” que acompanha o caminho, “partilha as alegrias e esperanças, os sofrimentos e as angústias do povo de Deus, do qual todos os povos da terra são chamados a fazer parte”. Para Bergoglio, “a aparição da imagem da Virgem na tilma [manto] de Juan Diego foi o sinal profético de um abraço, o abraço de Maria a todos os habitantes das vastas terras americanas”, um abraço terno e carinhoso que marcou o caminho da evangelização das Américas. Mas a frase mais surpreendente – que talvez tenha passado despercebida para a maioria dos ouvintes – foi a associação que ele fez da mensagem de Maria em Guadalupe com a mensagem de seu próprio pontificado, ou seja, a universalização programática que faz da mensagem de Maria, assumindo-a como sua mensagem para a Igreja universal: “Esta é a mensagem de Nossa Senhora de Guadalupe, e esta é também a minha mensagem, a mensagem da Igreja. Encorajo todos os habitantes do continente americano a manter os braços abertos como a Virgem Maria, com amor e ternura”.

Desse modo, pode-se dizer que a mensagem que está por trás, tanto da invocação guadalupana quanto da romana, oferece algumas chaves de leitura para o modelo de Igreja que Francisco quer implantar: uma Igreja que abraça e protege, com amor e ternura, uma Igreja próxima do povo, uma Igreja maternal e, portanto, mariana. Uma Igreja que é povo de Deus ao qual são chamados todos os povos da terra. Sob a proteção de Nossa Senhora Salus Populi Romani, o coração de Bergoglio continua a se expandir, tornando-o cada vez mais seu devoto.

Para conhecer mais:

MELLO, A.A. Ela é minha Mãe! Encontros do Papa Francisco com Maria. São Paulo: Loyola, 2014

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