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Marketing Digital: oportunidades e responsabilidades na Era da Inteligência Artificial

Em um mundo em que a inteligência artificial (IA) deixou de ser uma promessa distante e se tornou uma realidade, no marketing digital surge uma questão crucial: como equilibrar a eficiência tecnológica com a ética e os valores humanos? Algoritmos não apenas otimizam campanhas, mas também levantam dilemas sobre transparência e manipulação. Ao adentrar essa discussão, somos desafiados a refletir sobre o futuro do trabalho, a autenticidade das relações em um ambiente cada vez mais permeado por IA, e a redescoberta do que nos torna genuinamente humanos.

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A inteligência artificial (IA) não é mais uma promessa distante no marketing digital: é uma realidade que já transforma como empresas se conectam com consumidores. Enquanto a eficiência algorítmica oferece resultados impressionantes, surge a questão fundamental de como equilibrar inovação tecnológica com responsabilidade ética e valores humanos.

IA no marketing hoje: transformação em curso. Os anúncios das campanhas Google Performance Max exemplificam essa revolução: seus algoritmos frequentemente superam campanhas criadas por algumas agências e profissionais. A Meta desenvolve sistemas que permitem às empresas criarem campanhas diretamente, eliminando intermediários. Empresas como The Trade Desk utilizam IA para posicionamento de anúncios em tempo real, enquanto a Adobe emprega algoritmos para segmentação de audiência e campanhas personalizadas.

Essa transformação gera impactos sociais ambivalentes. Por um lado, democratiza o acesso a ferramentas sofisticadas, permitindo que pequenas empresas usem ferramentas que nem grandes corporações usavam no passado. Por outro, pode ocorrer a concentração de poder nas mãos de poucas empresas tecnológicas, criando novos padrões de comportamento e dependência (basta lembrar do TikTok).

Desafios éticos emergentes. A fronteira entre real e artificial torna-se cada vez mais tênue. Na China, desde 2023, empresas como Silicon Intelligence e Xiaoice criam clones deepfake de influencers para transmissões ao vivo 24 horas por dia no e-commerce. Na prática, isso significa que uma pessoa acessa uma loja virtual às 2h da madrugada e se depara com seu influencer favorito fazendo uma live, porém não é o influencer de verdade, mas um clone deepfake dele, e a empresa paga direitos de imagem para o influencer. Essa tecnologia levanta questões fundamentais sobre transparência: o consumidor tem direito de saber quando está interagindo com IA?

A personalização extrema, embora eficiente, pode cruzar a linha entre serviço e manipulação. Quando algoritmos conhecem nossos desejos melhor que nós mesmos, surge o risco de transformar consumidores em produtos, reduzindo a dignidade humana a dados processáveis. A desinformação e os deepfakes ameaçam a confiança, base essencial de qualquer relação humana e, também, de uma relação comercial genuína.

A questão da autenticidade do conteúdo torna-se crítica quando a IA pode gerar textos, imagens e vídeos indistinguíveis de produções humanas, desafiando nossa capacidade de discernir verdade de ficção.

O futuro do trabalho no marketing. O horizonte aponta para uma divisão clara de responsabilidades. A IA autônoma assumirá atividades repetitivas e operacionais – gerando milhares de variações de anúncios, otimizando lances automaticamente e processando dados em massa. Já as funções assistidas por IA focarão decisões estratégicas e atividades essencialmente humanas.

Esta transformação elimina empregos, mas também cria novos. Profissionais migram de execução para estratégia, de produção para curadoria. A fragmentação midiática exige mais conteúdo personalizado, criando demanda por direcionamento criativo humano.

Virtudes cristãs diante dos algoritmos. Diante desta realidade algorítmica, o consumidor católico encontra nas virtudes um caminho seguro para navegar neste novo mundo digital. A prudência nos convida a conhecer como funcionam os algoritmos – compreender que eles são programados para capturar nossa atenção e induzir decisões de compra, muitas vezes explorando nossas fragilidades e impulsos. É fundamental cultivar o autodomínio, a moderação e o desprendimento para não reagir automaticamente aos estímulos de anúncios hiperpersonalizados e ofertas “irresistíveis”, mas manter a capacidade de escolha consciente sobre quando, como e o que consumir.

As virtudes cristãs se vivem em todas as idades. Muitas escolas, hoje em dia, estão se esforçando para que os jovens não se viciem nas telas. Minha sobrinha, Ana Carolina, que estuda em um colégio com identidade católica, veio conversar comigo sobre a luta que estava vivendo na Quaresma: jejum de vídeos shorts no YouTube. Fiquei muito contente com a iniciativa de adaptar a vivência das virtudes em um contexto tecnológico da vida dela, e ela disse que as amigas da sala também estavam lutando em coisas parecidas. De fato, o algoritmo do YouTube é feito para que as pessoas assistam cada vez mais a vídeos e, dessa forma, já foi ultrapassado o consumo de mais de 1 bilhão de horas assistidas por dia no mundo. Então essa busca de viver a virtude do autodomínio, mesmo em uma criança ou adolescente, é algo que orienta para uma vida mais feliz, aproveitando o que há de bom na tecnologia, mas, ao mesmo tempo, não se tornando dependente do uso.

Esta disciplina interior não representa uma rejeição da tecnologia, mas sim sua ordenação ao bem comum e à nossa vocação humana. Quando exercitamos essas virtudes, preservamos nossa liberdade diante dos algoritmos e aprofundamos na verdadeira felicidade que nasce do relacionamento autêntico com Deus, com o próximo e conosco mesmos. Assim, ao conhecer melhor os mecanismos da inteligência artificial, podemos nos tornar mais livres para viver nossa inteligência humana em plenitude.

Redescoberta da pessoa: retomada do humano presencial? Paradoxalmente, o avanço da IA pode nos conduzir a uma profunda redescoberta do valor humano. Como observou o filósofo Robert Spaemann, em Persons: The Difference between “Someone” and “Something”, existe uma distinção fundamental entre ser “algo” e ser “alguém”.

A IA, por mais sofisticada, permanecerá sempre “algo”: um conjunto de algoritmos processando dados. A pessoa humana é “alguém”: um ser relacional, multidimensional, com sede de felicidade infinita que encontra sua paz definitiva em Deus. Essa diferença ontológica não pode ser replicada artificialmente.

À medida que consumidores enfrentam dificuldades crescentes para distinguir interações com IA de interações humanas, pode emergir uma valorização das experiências presenciais autenticamente humanas. Assim como observamos hoje uma valorização de produtos artesanais em contraposição à produção industrial massificada, o futuro pode testemunhar o surgimento de um “marketing artesanal”, experiências que celebram e privilegiam o contato humano genuíno.

Esta reflexão nos convida a ver a IA não como ameaça, mas como oportunidade para redescobrir e valorizar aquilo que nos torna únicos: nossa capacidade de amar, de ter um sentido e estabelecer relacionamentos autênticos. No marketing do futuro, a tecnologia mais avançada pode ser justamente aquela que nos reconecta com nossa humanidade mais profunda.

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