Edith Stein, já freira Carmelita Descalça, realizou essa meditação para suas irmãs de Ordem na Festa da Exaltação da Cruz, em 14 de setembro de 1939, logo após a invasão da Polônia pelos nazistas, início da Segunda Grande Guerra. A imagem que ilustra o texto é um quadro do pintor judeu Marc Chagall (1887-1985) e mostra Jesus crucificado, utilizando um talit, espécie de xale hebraico usado pelos homens durante a oração, e tendo ao fundo cenas da perseguição aos judeus durante o período nazista.
“Ave, Cruz, nossa única esperança!” (Ave Crux, Spes Unica!) – foi isso que a Santa Igreja nos convocou a exclamar durante o tempo de contemplação do sofrimento amargo de Nosso Senhor Jesus Cristo. A exclamação jubilosa do Aleluia da Páscoa silenciou o sério cântico da cruz. O sinal da nossa salvação saudou-nos no meio do tempo da alegria pascal, pois recorda-nos a descoberta d’Aquele que não é mais visível. […]
O Crucificado olha-nos de cima da cruz e pergunta-nos se ainda estamos dispostos a honrar o que prometemos numa hora de graça. E Ele certamente tem razões para perguntar. Mais do que nunca, a cruz é um sinal de contradição […]. O Salvador olha hoje para nós, sondando-nos solenemente, e pergunta a cada um de nós: permanecereis fiéis ao Crucificado? Considerai atentamente! O mundo está em chamas, a batalha entre Cristo e o Anticristo entrou em campo aberto. Se decidirem por Cristo, poderá custar-vos a vida […]
Antes de vós, o Salvador está pendurado na cruz porque Ele se tornou obediente até o ponto da morte na cruz. Ele veio ao mundo não para fazer a Sua própria vontade, mas a vontade de seu Pai. Se pretendeis ser a noiva do Crucificado, também vós deveis renunciar completamente à vossa própria vontade e não ter mais nenhum desejo a não ser o de cumprir a vontade de Deus. Ele fala-vos na Santa Regra e nas Constituições da Ordem. Ele fala-vos por meio da boca dos vossos superiores. Ele fala-vos pelo suave sopro do Espírito Santo no fundo do vosso coração. Para permanecerdes fiéis ao vosso voto de obediência, deveis ouvir esta voz dia e noite e seguir as suas ordens. Contudo, isso significa crucificar diariamente e de hora em hora a nossa vontade e amor-próprio.
O Salvador pende nu e desamparado na cruz, porque escolheu a pobreza. Aqueles que o querem seguir devem renunciar a todos os bens terrenos […] Recebei com gratidão o que a providência de Deus vos envia. Alegremente, passai sem aquilo que, eventualmente, Ele permitir que vos falte. Não te preocupes com o teu próprio corpo, com as suas necessidades e inclinações triviais, mas deixa a preocupação para aqueles que te são confiados. Não te preocupes com o próximo dia e a próxima refeição.
O Salvador, antes de vós, teve seu coração trespassado. Ele derramou o sangue do Seu coração para conquistar o teu coração. Se queres segui-lo na santa pureza, o teu coração deve estar livre de qualquer desejo terreno. Jesus, o Crucificado, deve ser o único objeto dos teus anseios, dos teus desejos, dos teus pensamentos.
Estás agora alarmado com a imensidão do que os votos sagrados exigem de ti? Não precisais ficar alarmados. O que vos prometestes está de fato para além da vossa própria fraqueza, do vosso poder humano. Mas não está para além do poder do Todo-Poderoso – este poder tornar-se-á vosso se vos confiardes a Ele, se Ele aceitar o vosso penhor de fidelidade. Ele fá-lo-á no dia da tua santa profissão e fá-lo-á de novo hoje. É o coração amoroso do teu Salvador que te convida a seguIrmã Exige a tua obediência, porque a vontade humana é cega e fraca. Não pode encontrar o caminho até se render inteiramente à vontade divina. Exige a pobreza, porque as mãos devem estar vazias dos bens da terra para receber os bens do céu. Exige castidade, porque só o coração desprendido de todo o amor terreno é livre por amor a Deus. Os braços do Crucificado são estendidos para o atrair ao seu coração. Ele quer a sua vida para lhe dar a sua.
Ave Crux, Spes Unica!
O mundo está em chamas. A conflagração pode também chegar à nossa casa. Mas, acima de todas as chamas, a cruz está no alto. Eles não podem consumi-la. É o caminho da terra para o céu. Ele elevará quem o abraça com fé, amor e esperança, para o seio da Trindade. O mundo está em chamas. És impelido a apagá-las? Olhai para a cruz.
(Fonte: STEIN, Edith. Geistliche Texte II. Gesamtausgabe, Band 20. Tradução de Gabriel de Vitto)
Belíssimo e profundo texto!