Monaquismo e Cultura

Tanto a Igreja Católica quanto a civilização ocidental devem muito ao monaquismo, em termos não só de vida espiritual, mas também de cultura e amor à beleza.

Desde o início do monaquismo cristão, a leitura das Sagradas Escrituras foi o alimento principal dos monges, além daquele corporal. Por isso, para viver meditando as Escrituras, pressupunha-se que os monges deveriam saber ler.

Além do mais, já desde os primeiros séculos, a leitura da vida de santos monges e monjas, como Santo Antão, Santa Sinclética, os Padres do Deserto, o conhecimento de seu modo de vida e ensinamentos, foi parte da vida cotidiana de monges e monjas. Liam, trocavam experiências e se encontravam regularmente para tanto.

Muito cedo se compreendeu que a vida monástica era um modo de viver a fé que necessitava de ensinamento, inspiração e partilha de experiências. Mas como vivê-la bem? Por meio de experiências de vida que eram progressivamente relatadas e compartilhadas.

A necessidade de aprender a viver, alimentar-se da experiência de vida de outros, e meditar constantemente as Escrituras criou uma cultura monástica sapiencial que se tornou patrimônio da humanidade.

São Bento, no século VI, sintetiza em uma pequena Regra essa sabedoria, aproveitando e citando nela muitos dos ensinamentos dos monges que o precederam. Ele ensina que os monges e monjas devem ter como uma das ocupações principais a lectio divina “que inclui a meditação: meditari aut legere. Por consequência, no mosteiro é preciso possuir livros, saber escrever, saber ler. […] Para tanto, é preciso que se saiba escrevê-los” (cf. Leclercq, J. O amor às letras e o desejo de Deus. São Paulo: Paulus, 2012, p. 22).

A história monástica testemunha o trabalho milenar de cópia de manuscritos, tradução e redação de comentários, de filosofia, teologia, gramática, retórica, geometria, aritmética, lógica etc., dos povos antigos. Graças a um número imenso de monges copistas, a cultura clássica chegou até nós. Está intimamente ligada ao monaquismo a fundação das grandes universidades dos séculos XII e XIII. Mesmo em séculos mais recentes, o número de monges que realizaram descobertas científicas é notável. Não se pode buscar a Deus sem se encantar pela beleza que Deus cria e recria no mundo, e que é sinal eloquente Dele mesmo. Ele que é o sumamente Belo!

Os camaldolenses. Dentro da grande história monástica encontra-se a reforma feita por São Romualdo, no século XI. Ele tem a inspiração divina de reformar o monaquismo, reintroduzindo a estrutura das lauras orientais dos primeiros séculos, nas quais monges e monjas eremitas viviam em pequenas casas, em solidão e silêncio, mas próximas umas das outras.

Essa estrutura física permitia a existência de uma comunidade monástica com amplo espaço para uma vida pessoal mais retirada, mas, ao mesmo tempo, compartilhada com encontros regulares e oração em comum. Assim surge a congregação beneditina camaldolense, cujo nome vem do mosteiro sede em Camaldoli, no centro da Itália. A vida mais solitária é ainda mais propícia ao amor às letras, ao cultivo da leitura, meditação e produção de escritos.

Foi Guido de Arezzo, monge camaldolense, quem inventou as notas musicais. Os camaldolenses contribuíram também para o desenvolvimento da cartografia. No mosteiro de Camaldoli, cresceu e se desenvolveu o humanismo cristão. Em nosso tempo, as monjas e monges camaldolenses se empenham no diálogo ecumênico e inter-religioso, em particular no diálogo judeu-cristão.

Quando ocorreu a possibilidade de abertura para os mosteiros contemplativos femininos, após o Concílio Vaticano II, foi o mosteiro camaldolense Sant’Antonio Abate de Roma que ofereceu a sede e organizou o primeiro Curso de Formação Monástica para monjas contemplativas.

A vida beneditina camaldolense é animada por uma pluralidade de formas chamada triplex bonum (três coisas boas): vida comunitária, vida eremítica e vida apostólica, que se dá particularmente mediante a hospitalidade em seus mosteiros. Dessa forma, a pessoa de cada monge ou monja recebe uma atenção especial e diversificada em relação à sua forma de vida. Esta característica gera um cuidado particular quanto à sua formação espiritual e cultural.

Para os beneditinos camaldolenses, como dizia Dom Benedetto Calati (Prior-geral entre 1969 e 1987), a função cultural do monaquismo será decisiva para sua abertura e crescimento, e para fazer crescer, a partir do coração, o caminho eclesial de toda a Igreja. Afirmava, também, que a atenção cultural devia ser voltada não só para a teologia, mas também para a filosofia, a literatura, a história, além das outras ciências humanas.

A procura de Deus gera uma cultura e precisa da cultura para ser alimentada.

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