O Burguês Fidalgo contemporâneo

Molière, por Jean-Baptiste Mauzaisse (Wikimedia Commons)

Hoje em dia, em meio ao advento da internet, com a ideia de lugar de fala levada às últimas consequências, as fake news e a liberdade de expressão inseridas num contexto de pós-verdade, nos sentimos donos de nossas verdades, nos fechando a qualquer tipo de ideia divergente. Nesse contexto, é oportuno uma releitura da peça de Molière.

O Burguês Fidalgo, de Molière, publicada em 1670, reflete muito sobre a França da época. A burguesia, ascendendo economicamente, ansiava pelo status da fidalguia. Isso implicava não apenas no lado econômico, mas também no cultural e intelectual daquele que buscava outro patamar social.

A trama gira em torno do senhor Jordain, um burguês que através de seu trabalho e do comércio de seu pai adquiriu muito dinheiro, ansiando pela fidalguia. Para conseguir tal mudança de status, contrata professores de esgrima, conhecimentos gerais, música e dança, se envolvendo com pessoas que possam ajudar na empreitada. Constrói amizades com a nobreza e tenta fazer sua filha se casar com um nobre e não com Cleonte, burguês que ela amava. Sua esposa conseguia ver o lado ridículo dessa transformação, onde seu marido procurava, de forma artificial, passar uma imagem que não condizia com sua essência, permitindo que outros se aproveitassem dele.

Molière conseguiu, com seu Jordain, que vem de um lugar, mas quer pertencer a outro, mostrar a superficialidade humana nas relações sociais.  Na trama, tal postura é trabalhada com ironia e atinge o tom cômico quando a imagem é mais valorizada do que a essência do sujeito.

O poder aquisitivo de Jordain fez com que ele se permitisse alçar a outros campos sociais, buscando maior acesso aos bens de consumo e conhecimento. No entanto, sua ganância e ambição ignoravam o fato de que ele próprio era um tolo, fazendo com que ele reduzisse sua compreensão de mundo ao que julgava ser certo ou errado. De modo similar, nos tempos de hoje, o ser humano posta deliberadamente em suas redes, sem se questionar sobre a veracidade dos fatos, ou procurando aparentar algo distante de sua realidade.

As críticas de Molière aos burgueses de seu tempo podem servir como advertência para todos nós, nos tempos atuais. Neste ano eleitoral, é de extrema importância que o debate saia da superficialidade das redes sociais e se torne um espaço de discussão mais profunda sobre o futuro do País. “Buscareis a verdade e ela vos libertará” (Jo 8, 32). Duas perguntas se tornam necessárias antes de qualquer compartilhamento nas redes sociais. Tal conteúdo corrobora com a verdade? O que estarei agregando aos meus seguidores com essa informação? Questões estas que Jordain deveria ter feito a si ao querer mudar seu status. O que essa mudança, pela qual tanto se esforçava, lhe agregaria como pessoa e o que agregaria à sociedade?

Jordain não fez essa autorreflexão e se deixou levar pelo seu lado mais ridículo. Segundo o Papa Francisco “tudo aquilo que se compartilha, se multiplica” (Visita à comunidade de Manguinhos, 2013). É nosso dever como cristãos e cidadãos refletir sobre o que se compartilha em nossas redes, para que nossas postagens sejam algo que agregue valor ao debate público e não aumente o discurso de ódio e a polarização.

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