O eu não pode se resolver sozinho

A polêmica minissérie da Netflix não oferece as saídas fáceis às quais estamos acostumados. O crime em torno do qual gira a trama é fruto de alguém que não encontra nada além de si mesmo. Os adultos tentam impor limites, mas não têm nada a propor. Agradecemos à revista Passos, do movimento Comunhão e Libertação, por autorizar a republicação deste artigo

Netflix

A minissérie Adolescência, da Netflix, é bela e impiedosa […] Fala de um crime que é filho da impulsividade, do vazio de identidade, da prevalência da necessidade sobre o desejo, de um “eu” indefinido que não encontra mais nada. O espectador é conduzido na busca para entender o motivo do assassinato através de três lugares.

O primeiro são as “redes sociais”, um lugar de solidão e violência, de violência por causa da solidão. A mentira desse lugar começa com o nome. Não há nada de social nas “redes sociais”, que são cheias de ódio, espionagem, negligência e anestesia do pensamento. Elas foram criadas para ser exatamente isso, mas os adultos da série se movem como analfabetos em uma gramática desconhecida: não entendem a dinâmica e se assustam com ela. O segundo lugar é a instituição: a comunidade escolar de onde vem o assassino e a comunidade psiquiátrica onde ele está preso. Aqui, também, o nome esconde uma mentira: são “comunidades”, mas o que têm em comum é a solidão. Ambas as comunidades estabelecem limites. Elas são fortes no caso da instituição psiquiátrica, que tem o poder de tirar tudo, e fracas no caso da comunidade escolar, que gostaria de tirar algo – por exemplo, os celulares – mas não tem força para isso […].

A trama atravessa vários equívocos: as redes sociais não são sociais, a comunidade não é onde se compartilha, a família não é um lar.

Quando a melhor amiga da menina assassinada pede ajuda, a resposta do professor é: “Vamos garantir que você fale com alguém”. 

Sua melhor amiga está morta, ela se abre com um adulto, e isso é tudo o que ele tem a oferecer? A sugestão de “conversar com alguém” é óbvia: com um psicólogo […] No clímax da avaliação da psicóloga – apresentada como afetuosa e inteligente – para tentar entender o gesto do adolescente, ela encerra abruptamente o relacionamento, informando-o de que seu trabalho terminou e que ela não voltará. O adolescente grita: “Mas você não gosta de mim?”, e o adulto não responde […]

Mas a vida é feita de encontros. Que vida nossos jovens encontram? Onde está esse adulto presente que está ausente ou não responde nos dois primeiros lugares? Poderíamos dizer que está no terceiro lugar: a família. Os pais e a irmã do garoto são amorosos, presentes e frágeis. É uma família isolada, que não dá seus filhos ao mundo e não dá o mundo a seus filhos […] 

Por onde recomeçar? Adolescência não responde. Não há lugar algum diferente para encontrar, nenhuma diversidade humana que transforme em “lar” cada lugar que nós e nossos adolescentes frequentamos. O problema do nosso eu não se resolve com a referência a si mesmo. O que decide quem eu sou é o impulso a algo que está fora de mim. A função do adulto é oferecer uma hipótese de trabalho que dê início a um caminho. É preciso que existam pessoas que possam acompanhar esse caminho. O vazio da identidade exige a comunicação de um significado, de uma perspectiva, uma doação de si mesmo, a proximidade de um relacionamento autêntico.

ADOLESCÊNCIA

Direção: Philip Barantini
Roteiro: Jack Thorne, Stephen Graham
Elenco: Owen Cooper, Stephen Graham, Ashley Walters, Christine Tremarco, Ashley Walters 
Produção: Warp Films, Matriarch Productions e Plan B Entertainment (Reino Unido, 2024)
Quatro episódios de 1 hora cada
Disponível: Netflix 

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