Recorrendo à devoção ao Sagrado Coração, o Papa Francisco nos apresenta, na Dilexit nos, com palavras comoventes, toda a intensidade do amor de Deus por nós.
Dilexit nos (DN 32-39, 46, 59, 69)
O Coração de Cristo, que simboliza o centro pessoal de onde brota o seu amor por nós, é o núcleo vivo do primeiro anúncio. Ali se encontra a origem da nossa fé, a fonte que mantém vivas as convicções cristãs […] O Evangelho diz que Jesus “veio para os seus” (Jo 1, 11). Os “seus” somos nós, pois não nos trata como algo estranho. Considera-nos como propriedade sua, que guarda com cuidado, com afeto. Trata-nos como seus […] Ele nos propõe a pertença mútua dos amigos […] Ele tem outro nome, que é “Emanuel” e significa “Deus conosco”, Deus próximo à nossa vida, vivendo entre nós. O Filho de Deus encarnou e “esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo” (Fl 2, 7) […]
Visto que nos custa confiar, porque fomos feridos por tantas falsidades, agressões e desilusões, ele sussurra-nos ao ouvido: “Filho, tem confiança” (Mt 9, 2); “Filha, tem confiança” (Mt 9, 22). Trata-se de vencer o medo e de tomar consciência de que, com Ele, não temos nada a perder […] Não tenhas medo. Deixa-O aproximar-se e sentar-se ao teu lado. Podemos duvidar de muitas pessoas, mas não d’Ele. E não te paralises por causa dos teus pecados. Recorda-te que muitos pecadores “sentaram-se com Ele” (Mt 9, 10) e Jesus não se escandalizou com nenhum deles. Esse mesmo Jesus espera hoje que lhe dês a possibilidade de iluminar a tua existência, de erguer-te, de encher-te com a sua força […] Ele consegue sempre uma maneira para se manifestar na tua vida, para que tu O possas encontrar.
O Evangelho conta-nos que se aproximou dele um homem rico, cheio de ideais, mas sem forças para mudar de vida. Então “Jesus, fitando nele o olhar, sentiu afeição por ele” (Mc 10, 21). Consegues imaginar esse instante, o encontro entre os olhos deste homem e o olhar de Jesus? Se te chama, se te convoca para uma missão, primeiro Ele olha para ti, penetra no teu íntimo, percebe e conhece tudo o que há em ti, pousa sobre ti o seu olhar […]
As palavras que Jesus pronunciou indicavam que a sua santidade não elimina os sentimentos. Por vezes, mostravam um amor apaixonado, que sofre por nós, se comove, se lamenta e chega, até mesmo, às lágrimas. É evidente que Ele não era indiferente às preocupações e angústias comuns das pessoas, como o cansaço ou a fome: “Tenho compaixão desta multidão […] Não têm nada para comer […] desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe” (Mc 8, 2-3).
Tudo isto, à primeira vista, pode parecer um mero romanticismo religioso. No entanto, é o que há de mais sério e mais decisivo. Encontra a sua expressão máxima em Cristo pregado numa cruz. Essa é a palavra de amor mais eloquente. Não se trata de algo superficial, não é puro sentimento, não é uma alienação espiritual. É amor. Por isso, quando São Paulo procurava as palavras certas para explicar a sua relação com Cristo, disse: “amou-me e a Si mesmo se entregou por mim” (Gl 2, 20). Esta era a sua maior convicção: saber-se amado. A entrega de Cristo na cruz subjugava-o, mas só fazia sentido porque havia algo ainda maior do que essa entrega: “Amou-me”. Quando muitas pessoas procuravam em várias propostas religiosas salvação, bem-estar ou segurança, Paulo, tocado pelo Espírito, soube olhar além e maravilhar-se com o que há de maior e mais fundamental: “Amou-me” […]
Em um coração humano podem reinar o ódio, a indiferença e o egoísmo. Porém, não atingimos a nossa plena humanidade se não saímos de nós mesmos, tal como não nos tornamos inteiramente nós mesmos se não amamos. Portanto, o centro mais íntimo da nossa pessoa, criado para o amor, só realizará o projeto de Deus enquanto amar. Assim, o símbolo do coração também simboliza o amor […]
São João da Cruz quis exprimir que, na experiência mística, o amor incomensurável de Cristo ressuscitado não é sentido como estranho à nossa vida. O Infinito de algum modo desce para que, através do Coração aberto de Cristo, possamos experimentar um encontro de amor verdadeiramente recíproco […] Este místico entende a figura do lado ferido de Cristo como um apelo à plena união com o Senhor. Ele é o cervo ferido que, quando ainda não nos tínhamos deixado tocar pelo seu amor, desce às correntes de água para saciar a sua própria sede e que encontra conforto sempre que nos dirigimos a Ele.