As peregrinações aos santuários marianos constituem um dos fenômenos mais resilientes e complexos da história cristã, transcendendo a mera prática religiosa para se estabelecer como repositório de identidade cultural e processo de profunda conversão interior. Desde os primeiros séculos do Cristianismo, milhões de fiéis percorrem caminhos sagrados em direção aos santuários dedicados à Virgem Maria, em jornadas que representam muito mais do que simples deslocamentos geográficos: eram e continuam sendo experiências espirituais profundas que transformam corações, renovam a fé e aproximam os crentes do Mistério divino.

Romarias e peregrinações não são apenas passeios e viagens. Espelham a realidade da vida humana neste mundo: nosso caminhar, entre dificuldades e alegrias, rumo à “Pátria definitiva” dos céus. Cristo mesmo se apresenta a nós como “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6) e a Igreja se reconhece como um povo que percorre a história em marcha para Deus.
Entender-se peregrino, ao longo de toda a vida, é uma resposta a um chamado, um processo de conversão no qual o fiel percebe a transitoriedade das coisas do mundo e sua realização plena apenas no encontro definitivo com o Pai. Fazer-se peregrino, em uma viagem concreta, em um tempo e em um trajeto determinados, torna-se um gesto preciso de oferta de si, sinal de uma entrega que remete a este sentido maior da própria existência. O peregrino testemunha ao mundo, mas principalmente a si próprio, seu relacionamento com o Mistério, sua busca pela graça e/ou o seu ter sido alcançado pela graça.
Os santuários marianos – como o Santuário Nacional de Aparecida – nascem de um acontecimento especial, muitas vezes relacionado com aparições da Virgem ou milagres atribuídos à intervenção da Mãe de Deus. São percebidos pelos fiéis como lugares onde o divino se manifesta de maneira ainda mais terna por meio da intercessão de Maria. A peregrinação até estes santuários se reveste de um profundo valor afetivo. Remete à volta ao colo materno, lugar do afeto e do cuidado, da segurança de se saber amado gratuitamente.
Cada santuário mariano é rosto distinto da mesma Mãe, que se revela a seus filhos segundo suas necessidades e história. Neles acontece o encontro pessoal com a Mãe e seu Filho, em uma de suas múltiplas manifestações culturais. Assim, em Aparecida, a pequena imagem que poderia estar na casa de qualquer fiel, enegrecida seja pela permanência prolongada no fundo do rio, seja pela fumaça das velas na pequena capela onde foi colocada logo depois de ser encontrada por pescadores, traz uma inegável identificação com o povo simples que a visita incansavelmente.
O testemunho materializado. Um dos aspectos mais visíveis da devoção popular é a tradição do ex-voto – o dom ou oferenda feita em cumprimento de uma promessa após a obtenção de uma graça. A Sala de Ex-Votos do Santuário Nacional de Aparecida, também conhecida como “Sala das Promessas” ou “Sala dos Milagres”, localizada no subsolo do Santuário, exibe uma série de objetos que representam histórias de fé e agradecimento, tais como fotografias, cartas, pinturas e esculturas, partes do corpo esculpidas, simbolizando curas, aparelhos ortopédicos, mechas de cabelo… Cada um deles é testemunho concreto da devoção, da fé e da gratidão pela intercessão da Padroeira. Atualmente, a Sala expõe cerca de 70 mil fotografias e recebe mensalmente aproximadamente 19 mil ex-votos, chegando a 30 mil no mês de outubro.
O ex-voto expressa publicamente, de modo simbólico, a gratidão do fiel diante do grande dom do amor do Pai, manifesto por intercessão da Virgem. Como a mentalidade popular por vezes interpreta o ex-voto como um esquema de troca, como um “pagamento” pela graça alcançada, uma das maiores funções educativas da Igreja no Santuário é mostrar que os dons de Deus são sempre livres e gratuitos, que a concessão de um pedido específico não é nada em comparação com o grande dom deste amor. A Igreja não busca suprimir a piedade popular, mas purificá-la, reinterpretando o ex-voto como sinal de gratidão, para que o foco seja o amor de Deus e o Mistério de Cristo.
A fé simples que permanece em nossos dias. Romaria, a famosa canção de Renato Teixeira, ilustra bem o significado arquetípico da peregrinação. Gerações de brasileiros que não conheceram o mundo rural – no qual os homens tinham que se “perder na vida” em busca não tanto de aventura, mas do sustento da família, deixando as mulheres sozinhas a cuidar dos filhos – e talvez nem saibam o que são gibeira e jiló, ainda cantam e se reconhecem, de alguma forma, nesta canção. Mais do que um dado confessional, provavelmente se identificam com a imensa ternura da história do caipira que não sabe rezar (ou, quem sabe, não consegue rezar, enfurnado na própria dor) e apenas consegue mostrar seu olhar, em um pedido mudo de socorro.
Significativamente, os santuários marianos resistem às grandes ondas de secularização que têm açulado o mundo católico nos últimos séculos. Nem as críticas intelectuais do Iluminismo, nem as perseguições explicitas das ditaduras, tiraram seu brilho. Pelo contrário, quanto mais o contexto se torna hostil, mais a devoção a Nossa Senhora se apresenta como espaço de resiliência e de busca pela fé. Apesar dos questionamentos aos valores tradicionais e à piedade popular, a figura materna de Maria continua sendo uma referência afetiva e espiritual também em nosso tempo.
O Santuário de Aparecida recebe cerca de 10 milhões de peregrinos anualmente! Maria permanece como a “estrela da Esperança”, que reúne e congrega a família cristã dispersa pelo mundo (como, aliás, as mães costumam fazer com seus filhos).
Agradecemos a colaboração da Comunicação Institucional do Santuário Nacional de Aparecida para a elaboração deste Caderno.