Os limites e o alcance da razão em Pascal

Na época de Pascal, uma das mais nobres ocupações dos filósofos era tentar provar a existência de Deus. A bem da verdade, desde que o Cristianismo e o pensamento grego deram as mãos, tais demonstrações sempre povoaram as obras dos grandes autores como, por exemplo, Santo Tomás de Aquino. Entretanto, a despeito dos piedosos sentimentos que podem ter levado tantos e tão eminentes pensadores a colocar seu engenho a serviço do Criador, Pascal não acredita que possamos provar que Deus existe.

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Pascal, faz-se necessário notar, é influenciado profundamente pela tradição cética. Como se sabe, desde a Antiguidade, os céticos se dedicam a denunciar a vulnerabilidade de toda e qualquer argumentação. Segundo eles, não somos capazes sequer de demonstrar que, neste exato momento, estamos acordados. Ora, pergunta Pascal, se não conseguimos nem mesmo provar que tudo isto que chamamos de “vida” não passa de um sonho, como poderíamos provar, por A + B, que o Deus de Abraão, Isaac e Jacó existe? Vã pretensão humana!

Vale notar que o filósofo também tem motivos estritamente teológicos para colocar em xeque o poder da razão. Discípulo fiel dos ensinamentos de Santo Agostinho, Pascal vê no pecado original um acontecimento devastador que condenou Adão e toda sua descendência a nunca mais (pelo menos, não neste mundo) ver a Verdade face a face. Se o primeiro homem passeava com Deus pelo Éden todas as tardes, depois da Queda abriu-se entre nós e Ele um abismo infinito, que, como tal, não pode ser percorrido pelo ser finito que somos. Na prática, isso significa que o homem decaído é incapaz de, utilizando seus próprios meios, ver com clareza o que quer que seja, uma vez que a Luz da Luz já não caminha ordinariamente entre nós.

Apesar disso, Pascal defende que há bons indícios da veracidade do Cristianismo. De acordo com o filósofo, as tensões e contradições que marcam todos os homens só se tornam compreensíveis precisamente quando se leva em conta o dogma da Queda. Este seria o caso do curto-circuito existente entre, por um lado, o discurso trivial que identifica a felicidade ao repouso e, por outro lado, nossa clara incapacidade de repousar sem cairmos no tédio, na angústia. De onde vem que nos enganemos, convencendo-nos de que queremos “sossegar” quando, inegavelmente, a inação nos leva ao desespero? Pascal responde: do fato de não estarmos mais no estado em que fomos criados. Com efeito, Deus nos fez de tal modo que poderíamos encontrar gozo no repouso. No entanto, peregrinos que nos tornamos sobre a Terra, tal ócio, embora ainda desejado, já não pode ser ocasião de contentamento – mas tão somente de ressentimento por nossa situação de desamparo. Note-se que, mesmo que o pecado original não seja um dado da razão, é ela que nos mostra sua eficiência como chave de leitura da condição humana.

Ademais, ainda que nossa razão não possa demonstrar que Deus existe, ela ao menos é capaz de nos provar que é mais interessante ‘apostar’ na Sua existência do que na Sua não existência. Afinal, se apostarmos que Deus não existe, o que ganhamos se estivermos certos? Nada! Por outro lado, diz o pensador, se apostarmos que Deus existe e acertarmos, podemos ganhar o Paraíso. Assim, em que pesem os estreitos limites que diagnostica na razão, Pascal de modo algum a despreza, já que vê nela um instrumento que pode nos abrir à ação divina – e não há nada mais importante do que isso.

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