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Uma ruptura que clama por reconciliação. O pecado original e a expulsão do Paraiso não representam apenas um erro moral. São o sinal de nossa incapacidade estrutural de realizarmos o bem que desejamos para nós e para os que amamos. Trata-se de uma dor que nos impulsiona a buscar, mesmo que inconscientemente, o perdão que nos regenera. “Uma necessidade premente: a sede que se torna inquietação, busca, ferida sempre pronta a reabrir […] O bem que alcançamos, mais cedo ou mais tarde, escapa de nossas mãos. Sucessos desmoronam, conquistas e certezas desaparecem. Somos os primeiros a decepcionar a confiança daqueles que caminham ao nosso lado. Somos frágeis, caímos. Acabamos nos tornando cúmplices do mal: um mal que às vezes se torna atroz, injustificável. Ela pode varrer o amor e fazer as pessoas sangrarem, não apenas no campo de batalha. Outros, igualmente, despejam sobre nós o peso do seu egoísmo, fruto muitas vezes amargo da mesma precariedade compartilhada conosco. Estamos sempre aquém da imensa amplidão do desejo, inevitavelmente inadequados para responder a uma carência que não somos capazes de satisfazer plenamente”. (ZARDIN, D. Il cuore del vivere [in] Giubilei. Il perdono che ridona la vita. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 2024).
Foto: Detalhe de A expulsão de Adão e Eva do Paraíso, de John Martin (1823-1827). Óleo sobre tela.

A reconciliação possível pela misericórdia. O ser humano não pode superar sua limitação constitutiva. O mal pode ser evitado, escondido ou até vivido com culpa angustiante – mas não pode ser totalmente eliminado. Só um amor misericordioso e gratuito pode recuperar o vínculo despedaçado pelo pecado. Rembrandt ilustrou, em O Retorno do Filho Pródigo, este conceito teológico. O abraço do pai, uma figura luminosa num contexto escuro, simboliza a misericórdia divina. Sua postura, com uma das mãos posta firmemente no ombro do filho e a outra envolvendo-o com ternura, representa a justiça e o amor de Deus, acolhendo os pecadores. O filho ajoelhado se coloca em posição de humilde arrependimento no retorno ao Pai. As demais pessoas representam as reações sociais, que vão da inveja do irmão mais velho ao espanto dos demais.
Reprodução de O Retorno do Filho Pródigo, de Rembrandt (cerca de1668). Óleo sobre tela.

Peregrino: confiante na misericórdia, com os pés na terra, a caminho do céu. Nessa escultura, situada em Weingarten, na Suíça, Cláudio Pastro representa o peregrino caminhando com os olhos voltados para o céu. O corpo é vazado por estrelas, indicando desde já sua conexão com a pátria celeste. Seu bastão é um tau, letra grega similar a uma cruz, indicando que caminha sustentado pela companhia de Cristo. A peregrinação não é apenas uma caminhada física para locais sagrados; representa uma busca espiritual mais profunda para encontrar Deus em lugares nos quais Sua presença foi particularmente sentida. O peregrino se move sustentado pela súplica e pela gratuitidade da misericórdia. A peregrinação serve como uma metáfora para a própria vida cristã – somos peregrinos nesta vida, viemos de Deus e a Ele aspiramos voltar. A “pátria celeste” é o verdadeiro lar de nossa alma.
Cláudio Pastro, O peregrino. Estátua em metal (ca. 2005). Foto: Andreas Praefcke,

Cristo, porta que conduz o peregrino à Vida Nova. No Jubileu Extraordinário da Misericórdia, a porta da ala norte da Basílica de Nossa Senhora Aparecida, toda feita em bronze e pesando 4,5 toneladas, foi instituída como “Porta da Misericórdia”. O artista sacro Cláudio Pastro, autor da obra, explica a sua simbologia, que ajuda a compreender o sentido da travessia pela porta e entrada no templo santo:
“A porta de uma capela, igreja, catedral ou basílica de certa forma representa, simbolicamente, Jesus Cristo. É um lugar de passagem, Páscoa. Por ela passamos para uma vida nova. Por essa porta passamos da “Babilônia externa”, lugar de confabulações, de tramas humanas para a ‘Nova Jerusalém’, espaço do Eterno. Aqui saboreamos por antecipação a Casa do Pai (Seu Reino), pois nos encontramos com Jesus Cristo. O próprio Senhor Jesus é quem nos diz: ‘Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo’ (Jo 10,9). Igualmente, o Senhor nos diz: ‘Eis que pus uma porta aberta diante de ti, a qual ninguém pode fechar’ (Ap 3,8). E ainda: ‘Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo’ (Ap 3,20). Cristo, qual Novo Adão, abriu-nos a Porta do Paraíso. A porta principal da Basílica de Nossa Senhora de Aparecida apresenta, em sua face externa, a Anunciação do Senhor à Virgem Maria (Lc 1,26-38). No lado esquerdo, o Arcanjo Gabriel, o enviado por Deus, oferece-lhe o coração (a Misericórdia do Pai à humanidade, Jesus Cristo) anunciando-lhe que será a Mãe do Salvador. No lado direito aparece Maria que responde: Fiat (Faça-se). Maria é a mulher vazia de si mesma que é chamada ‘cheia de graça’, que se deixou preencher só pela Palavra de Deus. Assim também nós passamos a ser chamados Filhos de Deus, cristãos, ‘outros cristos’. Sua face interna mostra, no lado direito, representações do Sol, do Bom Pastor e do Salmo 99 (‘Sabei que o Senhor é Deus, Ele nos fez, a Ele pertencemos, somos o seu povo, ovelhas do seu rebanho’). No lado esquerdo, a Lua, o Filho Pródigo (Lc 15,11-32) e o Salmo 122 (‘Alegrei-me quando me disseram: vamos para a casa do Senhor. Nossos pés se detêm às suas portas, Jerusalém’). O Sol é uma imagem do Divino. O Senhor é o princípio de tudo. É sempre Deus que toma a iniciativa. A Lua é o reflexo de Deus em nós. Quando desesperamos, sem saída, O buscamos, desejamos voltar para Ele, nosso princípio e fim. O Filho Pródigo, depois de esbanjar os bens paternos e levar uma vida depravada, arrependido, deixa esta vida (os porcos) e volta à Casa Paterna. O Pai Misericordioso o acolhe e o abraça com amor e alegria; está sempre pronto a recebê-lo e a devolver-lhe a dignidade de Filho. A misericórdia de Deus-Pai é incomensurável. Jesus é o Bom Pastor, o Belo e Eterno Pastor. Logo depois da desobediência, do pecado, é o Senhor quem se volta e busca o homem. ‘Adão, Adão onde estás?’ (Gn 3,9). Jesus é o Bom Pastor, o Belo e Eterno Pastor, que busca a ovelha perdida, que se volta e nos procura lá onde os espinhos nos prendem e sufocam e nos traz para os seus cuidados. ‘Senhor, volta-te para mim e tende piedade de mim’ (Sl 25,16)” (PASTRO, C. A Porta da Misericórdia de Aparecida do Norte. Passos, nº 180, maio/2016)
Porta da Misericórdia Basílica de Aparecida – José Robeto Resende Kerr

É a frágil flor da esperança que sustenta nosso peregrinar. “Charles Péguy escreveu que a esperança é a irmã mais nova, desapercebida, que é segura pela mão das irmãs mais velhas, que são a fé e a caridade, mas, diz ele, dirigindo-se a nós: ‘Tolos, crentes insensatos que não se dão conta de que não são a fé e a caridade que arrastam a esperança. O oposto é verdadeiro, é a esperança que impulsiona a fé e a caridade’. Sem esperança não podemos compreender o essencial da vida […] Se quisermos ser capazes de proclamar nossa fé hoje, parece-me que devemos falar em esperança. E o desafio é grande. Precisamente porque não sabemos muito sobre ela. O que é a esperança? É verdade que precisamos de esperança? É verdade que ‘a esperança não decepciona’? E por que ela não decepciona? […] Tais perguntas só podem ser respondidas num caminho. É por isso que somos peregrinos. Trata-se de uma jornada pessoal e de toda a Igreja, uma jornada da humanidade num período como este […] O grande trabalho a que agora somos chamados é o anúncio da esperança. Mas, essa é uma grande intuição do Papa na bula, o anúncio da esperança está intimamente ligado aos sinais de esperança que somos chamados a realizar. […] Ao falar de esperança, ao anunciar esperança, devemos também ser capazes de dar, oferecer, participar, colocar em prática sinais concretos de esperança” (Extraído da apresentação oral de Dom Rino Fisichella, Pró-Prefeito do Dicastério para a Evangelização, no Painel O Jubileu 2025, no Meeting de Rimini 2024).
Vincent van Gogh, Ramo de amêndoa florescendo em um copo (1888). Fonte: The Yorck Project, Wikimedia.