Precisamos da beleza

VAN GOGH, Vincent. Trigal com corvos (detalhe). Wikimedia Commons

Infelizmente, o momento atual está marcado não só por fenômenos negativos em nível social e econômico, mas também por um esmorecimento da esperança, por uma certa desconfiança nas relações humanas, e por isso crescem os sinais de resignação, agressividade e desespero. Depois, o mundo no qual vivemos corre o risco de mudar o seu rosto devido à obra nem sempre sábia do ser humano, o qual, em vez de cultivar a sua beleza, explora sem consciência os recursos do planeta para vantagem de poucos e, não raramente, desfigura as suas maravilhas naturais. O que pode voltar a dar entusiasmo e confiança, o que pode encorajar o ânimo humano a reencontrar o caminho, a elevar o olhar para o horizonte, a sonhar uma vida digna da sua vocação, a não ser a beleza? Vós bem sabeis, queridos artistas, que a experiência do belo, do belo autêntico, não efêmero nem superficial, não é algo acessório ou secundário na busca do sentido e da felicidade, porque esta experiência não afasta da realidade, mas, ao contrário, leva a um confronto cerrado com a vida quotidiana, para o libertar da obscuridade e o transfigurar, para o tornar luminoso, belo.

De fato, uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem um “sobressalto” saudável, que o faz sair de si mesmo, o arranca à resignação ao conformar-se com o quotidiano, fá-lo também sofrer, como uma seta que o fere, mas precisamente desta forma o “desperta”, abrindo-lhe de novo os olhos do coração e da mente, pondo-lhe asas, elevando-o. A expressão de Dostoievsky que estou para citar é sem dúvida ousada e paradoxal, mas convida a refletir: “A humanidade pode viver – diz ele – sem a ciência, pode viver sem pão, mas unicamente sem a beleza já não poderia viver, porque nada mais haveria para fazer no mundo. Qualquer segredo consiste nisto, toda a história consiste nisto”.

BENTO XVI. Discurso no encontro com os artistas. Vaticano, 21/nov/2009.

O caminho da beleza responde ao desejo íntimo de felicidade que habita no coração de cada homem. Abre horizontes infinitos, que impulsionam o ser humano a sair de si mesmo, da rotina e do momento efêmero que passa, para se abrir ao Transcendente e ao Mistério, à busca, como meta última de seu desejo de felicidade e sua nostalgia do absoluto, por essa Beleza original que é o próprio Deus, Criador de toda beleza criada […] Em seu íntimo desejo de felicidade, o homem pode se encontrar confrontado com o mal do sofrimento e da morte. Da mesma forma, as culturas são por vezes confrontadas com fenômenos análogos a feridas, que podem até levar ao seu desaparecimento. A voz da beleza ajuda a abrir-se à luz da verdade e, assim, ilumina a condição humana, ajudando-a a compreender o significado da dor. Dessa forma, promove a cicatrização dessas feridas.

CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A CULTURA. Via pulchritudinis, caminho privilegiado de evangelização e diálogo. Vaticano, 2006.

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