Numa história real, o professor de Direito Kenneth R. Feinberg (Michael Keaton), coloca uma questão para uma sala lotada e atônita: Quanto vale a vida de uma pessoa? E diante da perplexidade e das respostas ambíguas e incertas dos alunos, continua implacável com as suas perguntas, exigindo um número. Que número vamos colocar no cheque de indenização? Podemos chegar a um acordo? Assim começa Worth. O filme continua e agora se trata do atentado de 11 de setembro, com tudo o que significou para cada pessoa e cada cidadão dos Estados Unidos… E para o governo, as famílias das vítimas, as empresas, as companhias de aviação.
Kenneth Feinberg escreveu o livro What is Life Worth?, relatando como foi conduzindo um impactante processo de indenização coletiva, envolvendo o governo, as empresas de aviação, milhares de vítimas e suas famílias, em torno de sete mil pessoas. A sua empresa colocou-se à disposição do governo para tentar o que parecia improvável: um acordo em que a grande maioria das vítimas aceitasse uma indenização governamental e renunciasse a acionar as empresas de aviação, coisa que, se tivesse acontecido, teria provocado um colapso na economia norte-americana.
Feinberg é apresentado como um advogado eficiente, sofisticado e seguro de si. Para ele, a coisa parecia fácil. Já tinha uma grande experiência com ações de indenização em casos de acidentes, envolvendo grandes somas de dinheiro. Como dizia nas suas aulas, sempre se podia chegar a um acordo. Era uma questão de negociação e de números.
Porém, a primeira reunião com o grupo de familiares das vítimas, depois de vários estudos feitos por sua equipe, não pôde ser mais desastrosa. Ele queria reduzir toda aquela dor a um número que coubesse numa planilha orçamentária, mas não houve uma família sequer que não ficasse revoltada e saísse daquela reunião machucada, ferida, ofendida. E Feinberg não conseguiu naquele primeiro momento, e logo a seguir, perceber em que tinha errado.
O ponto de inflexão (e saber que esse ponto aconteceu de fato e que foi contado pelo próprio Feinberg, dá uma força toda especial ao filme) foi o encontro e a relação, no começo tensa e desconfiada e, mais tarde, amigável e confiada, com Charles Wolf (Stanley Tucci), que perdera a sua esposa no atentado terrorista e se transformou num líder comunitário para a grande maioria das famílias contrárias às propostas iniciais do escritório de Feinberg.
Há um momento que marca o filme e que, como se pode ver, marcou também o advogado. Deixo-o apontado aqui, sem querer dar muito spoiler. Ambos gostavam de música clássica e de ópera e se encontram na apresentação de uma ópera moderna, bem diferente de Puccini, como ambos concordaram, em que uma mulher, sozinha primeiro e depois acompanhada por um coral, vai dizendo em tom sombrio e átono: Perdi a minha língua, perdi as minhas chaves, perdi a minha casa, perdi o meu coração, perdi…. E vamos vendo Feinberg a cada frase mais e mais incomodado até que, abruptamente, saiu da sala.
Nos poucos meses antes do prazo definitivo, todos os membros do escritório, Feinberg à cabeça, dedicaram-se não apenas a se encontrar e reunir com cada uma das famílias das vítimas, mas, principalmente, a ouvir as suas histórias – de dor, de pena e de desespero; histórias de quem não queria apenas uma indenização econômica, mas saber-se confortado, ouvido, compreendido; de quem queria ser tratado como pessoa e não como nomes em uma planilha.
É um filme contra aqueles que pensam que as relações profissionais e econômicas devem ser frias, distantes e pragmáticas – uma afirmação esperançosa, mesmo nos ambientes mais adversos, daquilo que nós, os seres humanos, temos de melhor: o carinho, a compaixão e a atenção amorosa aos outros.
QUANTO VALE? (Worth)
Direção: Sara Colangelo
Roteiro: Max Borestein
Elenco: Michael Keaton, Stanley Tucci, Amy Ryan
Nacionalidade: Estados Unidos (2020)
Disponível: Netflix