O que as comunidades e as sociedades devem fazer para superar as divisões, buscar a reconciliação e viver uma experiência de fraternidade – mesmo quando enfrentam divergências ideológicas? Na Colômbia, país marcado por graves conflitos armados nas últimas seis décadas, as Es.Pe.Re – Escolas de Perdão e Reconciliação – desenvolveram uma metodologia baseada nas “quatro lógicas da verdade”: a lógica dos acontecimentos, a lógica da significados, a lógica da superação e a lógica da cura (em espanhol, quatro “S”: Sucesos, Significados, Superación e Sanación). Essas “lógicas” podem guiar o diálogo entre aqueles que, partindo de posições antagônicas, realmente desejam chegar a um entendimento mútuo. Pedimos ao fundador do Es.Pe.Re, Padre Leonel Narváez Gómes, que nos explicasse essa metodologia.
A reconciliação em uma sociedade fraturada, seja por conflitos armados ou conflitos ideológicos, deve garantir pelo menos quatro componentes: verdade, justiça, reparação e acordos de não repetição. Vamos falar sobre a verdade. Reconhecer uma verdade grupal maior que as muitas opiniões individuais é um esforço que cura o tecido social ao gerar confiança, que é o ingrediente mais significativo nos processos de reconciliação. A verdade maior abre caminho para a justiça restaurativa e a reparação. Chega-se a essa verdade (que nunca é definitiva, sempre pode e deve ser aprimorada) por meio do diálogo compartilhado em torno das quatro “lógicas da verdade”: dos acontecimentos, dos significados, da superação e da cura.
No exercício em grupo sobre a lógica dos acontecimentos, aqueles que se propõem ao diálogo respondem à pergunta: o que de fato aconteceu? Procuram descrever o que realmente aconteceu ou está acontecendo, fazendo um esforço para distinguir eventos reais de eventos imaginários ou notícias falsas. Além de descrever o ocorrido, buscam também identificar quem está sendo vitimizado, quem está resistindo às dificuldades, quais direitos estão sendo violados.
A lógica dos significados responde à pergunta: quais sentidos esses eventos têm? Trata-se de discernir e interpretar por que as coisas estão acontecendo de uma forma ou de outra, o que causou esses eventos, quais são suas contradições internas e suas consequências. Nesta fase, é importante compreender, também em nível pessoal, quais os princípios que foram violados, como cada indivíduo foi afetado, em que medida se sentiu ameaçado. Tudo isso deve servir para construir uma consciência crítica dos eventos e de seu significado.
A lógica da superação responde à pergunta: como superar essa situação? Procura reconhecer quem deve assumir a responsabilidade e quais as ações que podemos tomar, comprometendo-nos a transformar situações de conflito e divisão para que não voltem a acontecer. Reconhecer causas, contradições e consequências dos conflitos deve motivar ações transformadoras que resgatem ideais compartilhados, acordos de respeito mútuo e responsabilidades coletivas, que permitam a recuperação tanto da vida comunitária quanto do tecido social, além de contribuir para a construção do bem comum.
Por fim, a lógica da cura responde à pergunta: como curar as feridas internas que esses eventos nos deixam? A resposta deve nos ajudar a tomar decisões pessoais que possam restaurar a confiança e restaurar os laços interpessoais. A cura convida a uma virada narrativa, em que a memória de conflitos e ressentimentos pode ser remobilizada para uma “verdade que cura”, pela qual cada um reconhece sua responsabilidade pessoal e coletiva, assume o compromisso de buscar a renúncia de conflitos e promover transformações para que as razões que levaram às divisões conflituosas não se repitam.
Para percorrer esse caminho é preciso tomar posição, lembrando sempre que buscar a verdade é lutar contra o silêncio imposto por medos, esquecimentos, mentiras, indiferenças e ignorâncias. Além disso, buscamos a verdade não apenas para reestabelecer a própria dignidade e garantir direitos, mas buscando sanar e restaurar mágoas e ressentimentos, em nós e nos demais, em nível tanto individual quanto comunitário.
Esses processos de busca da verdade são profundamente transformadores quando, posteriormente, pessoas e grupos humanos conseguem realizar exercícios de perdão, entendidos no mais básico, como uma virada narrativa da raiva, do ódio e da urgência da vingança para a compaixão-misericórdia.