Só a confiança e nada mais

O Papa Francisco, no dia 15 de outubro, não nos surpreendeu com a publicação da exortação apostólica C’est la confiance (CC), para celebrar os 150 anos do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, pois já havia a anunciado em várias circunstâncias. Como ele mesmo disse, desejou publicar esta carta longe das “datas” teresianas (cf. CC 4), para que a sua mensagem tivesse um caráter mais eclesiológico, e colocasse em evidência as duas Teresas: a de Ávila, e a de Lisieux, no seu amor pela Igreja.

Ilustração: Sérgio Ricciuto Conte

O que nos surpreendeu na exortação C’est la confiance (CC) foi que não se detém numa apresentação geral das ideias de Santa Teresinha, mas, sim, num aspecto particular, que constitui também o cerne de toda a visão teológica, missionária e pastoral do Papa Francisco: a misericórdia.

Um tema que ainda não foi adequadamente aprofundado. Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem demonstrado seu apreço pela pequena-grande Teresa, a mística missionária. Como não lembrar sua resposta, na viagem a caminho da Jornada Mundial da Juventude no Brasil, quando perguntado sobre o que trazia na sua maleta: o barbeador e o livro História de uma Alma. Embora ele nunca tenha declarado como surgiu o seu enamoramento pela “Santa das Rosas”, creio que tenha sido a partir da simplicidade de sua visão da santidade como um ideal para todos; da linguagem compreensível por todos; o deixar-se amar pelo Senhor, que nos aceita como somos; a sua oração pelos pecadores e pelos sacerdotes.

“Só a confiança” (título da exortação apostólica) na misericórdia, neste momento histórico, tem a força de romper as barreiras e os muros do egoísmo. Assim, a mensagem de Teresa é uma realidade que acontece com uma promessa de fazer cair uma chuva de rosas de paz e de amor (cf. C’est la confiance CC 42-45)

A graça, a gratuidade, o amor aos últimos nos liberta da “autor- referencialidade” e nos oferece a possibilidade de abrir-nos a todos os que sofrem. É o desejo do Papa no final da exortação (CC 52). Num tempo de egoísmo, num período em que nos fechamos em nós mesmos, numa época de individualismo, em que estamos obcecados pela grandeza, num tempo em que descartamos os outros, num momento de complexidade, Teresinha pode nos ajudar a redescobrir a simplicidade, o primado do amor, da confiança e do abandono, superando a lógica legalista e moralista, que enche a vida cristã de obrigações e preceitos, “e congela a alegria do Evangelho” (CC 52).

O desejo do Papa Francisco é que Santa Teresinha nos ajude a sair de nós mesmos. Uma saída missionária, uma missionariedade por atração e não proselitista (cf. CC 10). Uma chuva de rosas pode tornar menos triste o tempo de guerras que estamos vivendo. Teresa é mais viva do que nunca na Igreja e no mundo. É a Santa mais amada no mundo, assim como São Francisco de Assis é o mais amado; não só pelos católicos e os demais cristãos, mas também pelos não cristãos (cf. CC 4). Eu dou o meu testemunho pessoal de como, no Egito, em nossa Basílica de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face, todos os dias vêm católicos, ortodoxos e muçulmanos, para rezar à “Santa das rosas”.

A exortação apostólica “só a confiança e nada mais” pode parecer simples demais, mas na verdade exige uma leitura com atenção e uma abertura para ler os escritos da Santa de Lisieux, que faz nascer o seu amor a Jesus, “seu único amor”, a sua abertura para os pecadores e os sacerdotes, o seu “encontrar o seu lugar na Igreja”: “no coração da Igreja eu serei o amor!” O ser missionária ao lado dos missionários, seus irmãos espirituais, nasce de uma confiança sem limites na misericórdia, e em um diálogo de amor e de reciprocidade.

“Deus não pode colocar no coração de uma pessoa um desejo que não seja realizável…”. Tudo é pura misericórdia e confiança. C’est la confiance exige não só uma leitura espiritual, eclesiológica, mas também pastoral. O povo espera conhecer um caminho de santidade que seja acessível a todos, que não coloque nos ombros frágeis da nossa humanidade pesos que nós, pastores, não tocamos nem com um dedo. Teresinha nos adverte de que o desejo de ser santos é amar e ser amados.

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Tania regina Ferri prescinotto
Tania regina Ferri prescinotto
7 meses atrás

Muito reflexivo essa leitura teológica que nos leva a ouvir mais o coração!!!!

José Rubens
José Rubens
7 meses atrás

Acredito que seja isso mesmo que o Papa Francisco quis nos passar. Os passos de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face passam da simplicidade da pequena via até chegar à Ciência do Amor com a mesma confiança dentro da fragilidade humana e chegamos ao nosso objetivo único que é o Deus Pai, Jesus Cristo Deus Filho na Jerusalém Celeste com o conhecimento do primado do Amor, respeitando toda a tradição e preceitos morais e divinos da Santa Igreja.