Tomado pelo maravilhamento

Nas reflexões do Papa Francisco aparece, frequentemente, a palavra italiana estupore, difícil de traduzir para o português. Refere-se não tanto ao “estupor” da língua portuguesa, mas sim, a um maravilhamento cheio de surpresa, ao espanto diante da grandeza do amor recebido, a um fascínio que nos abre a toda a realidade. Quem mergulha na espiritualidade de Francisco, percebe que esse maravilhamento é mais do que um sentimento interior, é uma postura que favorece a alegria na adversidade e a ternura para com todos.

“Deixemos que esta experiência, impressa no Evangelho, se imprima também nos nossos corações e transpareça na nossa vida. Deixemos que o maravilhamento jubiloso do Domingo de Ramos se irradie nos pensamentos, nos olhares, nas atitudes, nos gestos e nas palavras […] Não se trata de uma maquiagem! Vem de dentro, de um coração imerso na fonte desta alegria, como o de Maria Madalena, que chorou pela perda do seu Senhor e não acreditava nos seus olhos, quando O viu ressuscitado. Quem faz esta experiência torna-se testemunha da Ressurreição, porque em um certo sentido ele mesmo, ela mesma, ressuscitou. Então, é capaz de levar um ‘raio’ da luz do Ressuscitado às diversas situações: às felizes, tornando-as mais bonitas e preservando-as do egoísmo; às dolorosas, levando serenidade e esperança (Regina Cæli, 21/abr/2014).

Para que a vida não se torne cinzenta. “Maravilhar-nos: a isto somos chamados hoje, na conclusão da Oitava de Natal, com o olhar ainda fixo no Menino que nasceu para nós, pobre de tudo e rico de amor. Maravilha: é a atitude que devemos ter no começo do ano, porque a vida é um dom que nos possibilita começar sempre de novo, mesmo da condição mais baixa. Mas hoje é também o dia para nos maravilharmos diante da Mãe de Deus: Deus é um bebê nos braços de uma mulher, que alimenta o seu Criador. A imagem que temos à nossa frente mostra a Mãe e o Menino tão unidos que parecem um só. Tal é o mistério de hoje, que suscita uma maravilha infinita: Deus ligou-Se à humanidade para sempre […] No início do ano, pedimos-Lhe a graça de nos maravilharmos perante o Deus das surpresas. Renovamos a maravilha das origens, quando nasceu em nós a fé […] A vida, sem nos maravilharmos, torna-se cinzenta, rotineira; e de igual modo a fé. Também a Igreja precisa de renovar a sua maravilha por ser casa do Deus vivo, Esposa do Senhor, Mãe que gera filhos; caso contrário, corre o risco de assemelhar-se a um lindo museu do passado” (Homilia de Maria Santíssima Mãe de Deus, 1/jan/2019).

Apesar das dificuldades, a realidade tocada pelo Mistério é fascinante. “Não se pode celebrar o Natal sem maravilhamento! Mas uma maravilha que não se limite a uma emoção superficial, ligada à exterioridade da festa ou, pior ainda, a um frenesi consumista. Se o Natal se reduzir a isto, nada mudará: amanhã será igual a ontem, o próximo ano será como o ano passado, e assim por diante. Significaria aquecer-nos por alguns instantes em um fogo de palha, sem nos expormos com todo o nosso ser à força do Acontecimento, sem compreender o âmago do mistério do nascimento de Cristo.

E o cerne é este: ‘O Verbo fez-se carne e habitou entre nós’ (Jo 1,14) […] Maria Santíssima, Mãe de Deus, é a primeira testemunha, a primeira e a maior, e, ao mesmo tempo, a mais humilde. A maior porque a mais humilde. O seu coração está cheio de maravilhamento, mas sem sombra de romantismos, afetações, espiritualismos. Não! A Mãe restitui-nos à realidade, à verdade do Natal […] 

Irmãos, irmãs, o maravilhamento de Maria, o maravilhamento da Igreja está repleto de gratidão […] Deus não abandonou o seu povo, veio, está próximo, é Deus conosco. Os problemas não desapareceram, as dificuldades e as preocupações não faltam, mas não estamos sozinhos: o Pai ‘enviou-nos o seu Filho’ (Gl 4,4)” (Primeiras Vésperas da Solenidade de Maria Santíssima Mãe de Deus e Te Deum de Ação de Graças pelo ano que passou, 31/dez/2021).

Fonte de esperança. “Não se renda à noite: recorde que o primeiro inimigo a vencer não está fora de você, mas dentro. Não conceda espaço aos pensamentos amargos, obscuros. Este mundo é o primeiro milagre que Deus realizou, Deus pôs nas nossas mãos a graça de novos prodígios. Fé e esperança procedem juntas. Creia na existência das verdades mais elevadas e belas. Confie no Deus Criador, no Espírito Santo que move tudo para o bem, no abraço de Cristo que espera cada um de nós no final da nossa existência; creia, Ele espera-o. O mundo caminha graças ao olhar de tantas pessoas que abriram frestas, que construíram pontes, que sonharam e acreditaram; até quando ao redor deles ouviam palavras de escárnio.

Nunca pense que a luta que enfrenta na terra seja totalmente inútil. No final da existência, não nos espera um naufrágio: em nós palpita uma semente de absoluto. Deus não desilude: se pôs uma esperança nos nossos corações, não a quer esmagar com frustrações contínuas. Tudo nasce para florescer em uma primavera eterna. Também Deus nos criou para florescermos. Recordo aquele diálogo, quando o carvalho pediu à amendoeira: “Fala-me de Deus”. E a amendoeira floresceu.

[…] Se um dia se assustar, ou pensar que o mal é demasiado grande para ser derrotado, pense simplesmente que Jesus vive em você. E é Ele que, por meio dele, com a sua mansidão quer submeter todos os inimigos do homem: o pecado, o ódio, o crime, a violência; todos os nossos inimigos […] Se a amargura o atinge, creia firmemente em todas as pessoas que ainda trabalham pelo bem: na sua humildade está a semente de um mundo novo. Frequente pessoas que conservaram o coração como o de uma criança. Aprenda da maravilha, cultive a admiração” (Catequese sobre “Educar para a esperança”, 20/set/2017).

Abertura à totalidade. “Pascal interrogava-se: ‘Que é um homem na natureza? Um nada comparado com o infinito, um tudo comparado com o nada’ (Pensamentos, Nº 199). É a mesma pergunta que aparece no Salmo 8, no centro de uma história de amor entre Deus e o seu povo, realizada na carne do ‘Filho do homem’, Jesus Cristo […] A tal interrogativo, expresso em uma linguagem muito diferente das linguagens da matemática e da geometria, Pascal nunca se fechou. Na base disto, parece-me poder reconhecer nele uma atitude de fundo, uma ‘abertura maravilhada à realidade’, que é abertura às outras dimensões do saber e da existência, abertura aos outros, abertura à sociedade […] Estava atento aos problemas então mais sentidos, bem como às necessidades materiais de todos os componentes da sociedade em que vivia” (Sublimitas et miseria hominis).

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