O Cântico das Criaturas é uma das mais importantes poesias da história humana. O segredo de seu fascínio? Um coração totalmente carregado pelo encontro com Cristo, capaz de descobrir, em toda a criação, os sinais do grande Amor que criou todas as coisas.
Há 800 anos, em 1224, São Francisco de Assis tinha cerca de 42 ou 43 anos de idade. Sua ordem religiosa dos Frades Menores crescia rapidamente, atraindo novos membros e apoiadores. Um ano antes, a regra de vida da sua comunidade havia sido aprovada pelo Papa Honório III, confirmando sua legitimidade e seu rumo. Naquele ano, contudo, enquanto estava no Monte della Verna, recebeu os estigmas, sinais da Paixão de Cristo, que representaram um momento crucial na sua experiência espiritual. Iniciou-se um período de maior introspecção e sofrimento físico, que se intensificou nos anos seguintes, até sua morte, em 1226.
Nesse contexto, Francisco compôs o “Cântico das Criaturas”, o conhecido hino de louvor a Deus pela beleza da criação, que é considerado uma das primeiras obras da literatura em língua italiana e é provavelmente a poesia católica mais conhecida em nossos tempos. Como o poeta italiano Davide Rondoni, presidente da Comissão Nacional do VIII Centenário da morte de São Francisco de Assis, observa, o Santo, em um momento em que perdia as forças e a própria vida, não está preocupado em deixar um pensamento teológico ou uma norma, mas sim em fazer um poema, um texto que combina o louvor ao Criador com o louvor às criaturas. Ele o dita aos seus seguidores para que o cantem, levem consigo e o ofereçam a si mesmos e ao mundo.
O Cântico retoma uma vertente mística presente nos grandes Padres dos primeiros séculos, mas que muitas vezes pareceu submersa no pensamento católico mais recente: a mística do maravilhamento despertado por toda a grandiosidade e beleza da criação – uma mística “cósmica”, que provoca humildade, gratidão e fraternidade. Não se pode negar que o fascínio suscitado pelo movimento ecológico em nossos tempos, bem como a busca pelo lazer em contato com a natureza, seja nas praias, seja nos campos ou seja nas montanhas, nos mostram como esta mística do maravilhamento diante da criação está profundamente enraizada no coração humano, e corresponde profundamente ao nosso ser.
Dante Alighieri, em “A Divina Comédia”, irá dizer que o comportamento de São Francisco de Assis só se torna compreensível se o vermos como um enamorado, um apaixonado. Ele é apaixonado pela Pobreza, que – antes dele – havia tido por esposo o próprio Cristo. É sob este ângulo que pode se compreender que um homem doente e debilitado cante a sublime beleza do Criador e de suas criaturas, não como exercício nostálgico para não se afastar de um bem perdido, mas como puro ato de maravilhamento, que não cessa mesmo no sofrimento. De fato, após cantar as belezas da criação, às quais chama de irmão e irmã, Francisco irá louvar a Deus pela enfermidade e pela morte.
O convite à fraternidade universal, o deslumbramento e a ternura que emanam dos versos de São Francisco muitas vezes levaram a uma interpretação leviana e edulcorada da mística franciscana. Esquece-se do profundo espírito de doação e sacrifício que marca a vida do Santo. Os versos finais, com seu enfrentamento maravilhado da própria morte, mostram que não se trata disso: existe aqui uma mística que reconhece a dor e o sofrimento, mas não procura esquecê-la ou evitá-la. Pelo contrário, vai ao seu encontro, confiante que também aí encontrará o abraço cheio de amor e ternura do seu grande Amado.
Assim, nos versos do Cântico das Criaturas, o humilde pobrezinho de Assis se mostra como esse personagem encantador e complexo que apaixona crentes e não crentes.