Os jubileus estão entre os eventos mais extraordinários da história da Igreja. Neles, sob as vicissitudes dos contextos históricos e das lutas por poder, o ser humano, com toda a materialidade de seu corpo e todo o querer de seu coração pecador, se amalgama à gratuidade da misericórdia divina. Para aqueles abertos aos sinais de Deus, é uma trajetória, tanto histórica quanto pessoal, plena de maravilhas. Neste Caderno Fé e Cultura, acompanhamos a história dos jubileus, desde o mundo hebraico antigo até nossos dias. Procuramos também retomar a sua espiritualidade, a partir de algumas obras de arte significativas – afinal, como diz um documento do Pontifício Conselho para a Cultura, “o belo nos diz mais sobre o verdadeiro e o bom”. Por fim, procuramos elucidar dúvidas e mostrar como participar do Jubileu 2025 também em São Paulo, sem peregrinar a Roma.
O desejo de perdão e reconciliação está inscrito no coração humano. Mesmo que tentemos negar, conhecemos nossas transgressões, nosso pecado está sempre diante de nós (cf. Sl 51,3). O amor que perdoa e reconstrói o vínculo despedaçado pelo mal é um elemento fundamental do anúncio cristão: Aquele sem pecado se oferece como sacrifício perfeito, santo e imaculado para a salvação dos pecadores. Contudo, até mesmo a gratuidade incomensurável da misericórdia pesa contra o pecador. Foi perdoado do mal praticado, mas os frutos do mal nem sempre são elimináveis. Foi perdoado e agora, movido pela gratidão sincera, quer corresponder ao dom recebido. Mas como?
A sabedoria da Igreja, ao longo dos séculos, precisava responder a essa questão – e não podia ser com uma resposta abstrata e conceitual apenas. O ser humano é uma criatura material. Conhece o mundo por meio da materialidade da vida, precisa de elementos concretos para assimilar – mesmo que pouco compreendendo – a profundidade do Mistério. Deus não precisa dos sinais externos que acompanha grande parte da religiosidade do povo católico, mas os fiéis precisam desses sinais para adentrar no Mistério insondável do amor com o qual são agraciados. Tolo aquele que se considera suficientemente sábio para não precisar de sinais e gestos exteriores para conhecer o Incomensurável. Na verdade, não entendeu a imensa ternura com a qual Deus acompanha seu povo.
Mas, justamente porque somos tolos e infiéis, precisamos amadurecer no tempo para entender (um pouco melhor, nunca totalmente) as coisas de Deus. E é um tempo sempre cheio de contradições e erros, um desenvolvimento nunca linear e isento de pecados. Isso vale para cada um de nós, como pessoa, vale para todos nós, como povo. Com essa compreensão, ao conhecer a história dos jubileus cristãos, mergulhamos num comovente testemunho de gente pecadora, “bestial como sempre, carnal, egoísta como sempre, interessada e obtusa como sempre foram, mas ainda assim sempre lutando, sempre reafirmando, sempre retomando sua marcha no caminho iluminado pela luz”, como diria T. S. Eliot (cf. Coros de A Rocha. Coimbra: Edições Tenacitas, 2014). Gente como nós, talvez um pouco pior, talvez um pouco melhor, que conhece a esperança que nasce do encontro com a misericórdia…
Testemunho de esperança. Nos jubileus, em nosso tempo de individualismo exacerbado, culto ao sucesso, ressentimentos justos e injustos, de que o ser humano mais necessita? Descobrir-se amado gratuitamente, descobrir que seus erros e seus limites não dão a última palavra sobre seu destino, descobrir-se “misericordiado” (FRANCISCO. Mensagem por ocasião da celebração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia no continente americano. Santa Fé, 2016). O Papa Francisco fez daquele fio condutor que perpassa todos os jubileus, o próprio tema do Jubileu Extraordinário de 2015.
Contudo, não bastava aprofundar a misericórdia. Para que ela dê plenamente seus frutos, precisa desenvolver-se como esperança, a irmã menor que porta avante a fé e a caridade, nas palavras de C. Péguy (cf. Pórtico do Mistério da Segunda Virtude. Lisboa: Paulinas, 2014). Assim, Francisco escolheu a esperança como tema do Jubileu de 2025.
O Jubileu 2025 nos convida a um duplo caminho. Precisamos compreender o que a esperança cristã significa para nós mesmos, nos afastando das ilusões de uma espécie de força do pensamento positivo cristão. Ao mesmo tempo, somos chamados a nos tornarmos portadores de esperança, com o testemunho e com obras que levem efetivamente a esperança, também no plano material, àqueles que sofrem, aos pobres, aos doentes, aos encarcerados – viver a experiência cristã com aquela integralidade que já está presente no jubileu hebraico do Antigo Testamento.