A rica tradição da meditação cristã

Prática deve ser vivenciada pelos fiéis como um diálogo pessoal, íntimo e profundo com Deus

É natural que em tempos de pandemia, como o nosso, quando a humanidade se descobre frágil, o homem busque com mais afinco o apoio de Deus. Nessa busca, a grande dificuldade reside em como chegar a esse Deus que pode nos sustentar em meio às dificuldades e dar um sentido profundo a todo o sofrimento pelo qual passamos.

A tradição católica sempre apontou a oração e a meditação como meios imprescindíveis para nos aproximarmos verdadeira e profundamente de Deus. Entretanto, muitas vezes, costuma-se associar o termo meditação apenas a religiões orientais, como o Budismo. Essa confusão pode fazer muitos cristãos caírem no erro de descurar a importância da meditação cristã ou, por outro lado, trazer ao Cristianismo métodos de meditação que não são conformes à fé católica.

Em 1989, a Congregação para a Doutrina da Fé divulgou um documento intitulado  “Carta aos Bispos da Igreja Católica acerca de alguns aspectos da Meditação Cristã”, o qual esclarece as características próprias dessa prática, que tem origem na Revelação e Tradição da Igreja, e explica as razões de muitos métodos orientais de meditação não se coadunarem com o catolicismo.

Nos tempos em que vivemos, revisitar a Carta pode ser de especial importância àqueles que desejam descobrir a doutrina católica sobre a meditação, a fim de colocá-la em prática em toda a sua riqueza.

‘Um diálogo pessoal, íntimo e profundo entre o homem e Deus’

A Cartainicia elucidando dois pontos essenciais da meditação cristã: ela é um diálogo pessoal entre o homem e Deus, ao mesmo tempo que é comunitária e rejeita o individualismo.

O primeiro ponto, que afirma ser a meditação um diálogo “pessoal, íntimo e profundo”, esclarece que ela é uma comunhão de amor entre o Criador e a criatura. Como todo diálogo, ela “recusa técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, as quais tendem a produzir automatismos nos quais o orante cai prisioneiro de um espiritualismo intimista, incapaz de uma livre abertura para o Deus transcendente”.

Conversar com Deus é esperar o dom gratuito de seu Amor. A tarefa de quem medita é a de se abrir a essa graça, que não vem por meio de métodos humanos, mas pela pura liberalidade de Deus.

Entretanto, o diálogo com Deus não pode ocorrer se não se baseia na revelação dada por Ele a nós acerca de si mesmo. Um diálogo pressupõe que se tenha um conhecimento sobre aquele com o qual conversamos. A meditação cristã não é uma conversa com um ente impessoal, mas com um Deus que se fez homem e deixou à sua Igreja a tarefa de transmitir a todas as gerações o que Ele ensinou.

Por esse motivo, a verdadeira meditação surge de uma íntima união com a Igreja, de uma verdadeira familiaridade com a Palavra de Deus e de uma recepção frutuosa dos sacramentos. Assim, todo individualismo egoísta não encontra respaldo na tradição cristã, pois, na meditação, é necessário sair-se de si para abrir-se a Deus por meio da Igreja.

Duas atitudes contrárias à meditação cristã

O documento aponta, também, duas atitudes contrárias à meditação cristã: a pseudognose e o messalianismo.

A pseudognose afirma que a matéria e, por extensão, o corpo e o mundo são realidades, em si mesmas, más. Por isso, conforme tal entendimento, o orante deve buscar desprender-se da materialidade para alcançar um conhecimento do divino que está em sua alma. Contra esse erro, os Padres da Igreja afirmam “que a matéria foi criada por Deus e por isso não é má. Além disso, asseveram que a graça, cujo manancial é sempre o Espírito Santo, não é um bem próprio da alma, mas deve ser obtida de Deus como dom”.

O messalianismo vê nas experiências psicológicas e emotivas o cerne da meditação, afirmando que os períodos de êxtase e alegria são revelação de que Deus está presente na alma. “Contra eles, os Padres insistiam no ponto firme de que a união da alma orante com Deus se realiza no ‘mistério’, de modo particular mediante os sacramentos da Igreja. Tal união pode se realizar também por meio de experiências de aflição e de desolação. Contrariamente à opinião dos messalianos, a aflição e a desolação não constituem um sinal de que o Espírito tenha abandonado a alma”, afirma a Carta.

A caridade como sinal da verdadeira meditação cristã

Mais do que estados de alegria ou êxtase psicológicos, o sinal claro de uma efetiva meditação é a “caridade ao próximo”.

A oração autêntica “desperta nos orantes uma caridade ardente que os impele a colaborar na missão da Igreja e no serviço dos irmãos, para a maior glória de Deus”. A meditação nos estimula a cumprir a vontade do Pai em toda a nossa vida. Por esse motivo, Cristo se retirava para rezar, “para se unir ao Pai e receber Dele novo vigor para cumprir a sua missão no mundo”.

Dessa forma, os frutos da meditação cristã devem se estender para além do momento em que ela é feita. Nesse sentido, São Paulo afirma que a oração não se interrompe quando nos dedicamos ao trabalho ou a outras coisas: “Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31).

A Carta estende-se a muitos outros aspectos da meditação cristã, que têm origem numa tradição deixada pelo próprio Cristo e vivida por muitos santos. Conhecer esse tesouro, certamente, ajudará todos os que buscam a Deus “com todo o coração” a encontrá-Lo verdadeiramente e a viverem uma íntima união de amizade com Ele, como prometeu o próprio Cristo: “Já não vos chamo servos (…), mas amigos” (Jo 15,15).

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