Papa a vítimas de conflitos na RD Congo: ‘As vossas lágrimas são as minhas, a vossa dor é a minha dor’

Em um território marcado por muitos conflitos recentes, em especial na porção Leste do país, o Papa Francisco ouviu na tarde da quarta-feira, dia 1o, na sede da Nunciatura Apostólica, os relatos de familiares e sobreviventes dos conflitos em andamento na República Democrática do Congo.

Fotos: Vatican Media

O Pontífice está no país desde a terça-feira, 31 de janeiro, em sua 40a viagem apostólica internacional, que será concluída em 5 de fevereiro no Sudão do Sul, também no continente africano.

Atentamente, o Papa escutou os relatos da violência brutal dos conflitos no Leste da República Democrática do Congo, que incluem assassinatos em massa, mutilações, sequestro, estupros em série, deslocamentos forçados e a vida em campos refugiados superlotados e insalubres.

Entretanto, nas vozes dos que vivenciam essa realidade de perto, as palavras não foram apenas de lamento, mas também de perdão e esperança: “Queremos deixar para trás este passado sombrio e poder construir um belo futuro”, disse um dos sobreviventes ao discursar para o Pontífice, que ouviu relados das vítimas das localidades de Butembo-Beni; Borracha; Bunya; Bukavu e Uvira.

PROXIMIDADE

“O meu coração está hoje no Leste deste imenso país, que não terá paz enquanto esta não for alcançada lá, na sua parte oriental”, disse o Papa Francisco inicialmente.

“Estou unido convosco. As vossas lágrimas são as minhas, a vossa dor é a minha dor. A cada família enlutada ou desalojada por causa de aldeias incendiadas e outros crimes de guerra, aos sobreviventes das violências sexuais, a cada criança e adulto ferido, digo: estou convosco, quero trazer-vos a carícia de Deus”, prosseguiu.

O Pontífice comentou que enquanto há quem trate a população mais sofrida da RD Congo como objetos, Deus vê cada pessoa em sua dignidade e a Igreja também sempre se mostrará próxima: “Deus ama-vos e não Se esqueceu de vós; oxalá se recordem de vós também os homens!”.

CONDENAÇÃO E PERDÃO

Francisco repudiou, de modo veemente as muitas formas de violência – física, moral e econômica – pelas quais a população do país tem sido subjugada: “Condeno as violências das armas, os massacres, os estupros, a destruição e ocupação de aldeias que continuam a ser perpetrados na República Democrática do Congo; e também a exploração sangrenta e ilegal da riqueza deste país, bem como as tentativas de dividi-lo para o poder controlar”.

“Volto-me para o Pai que está nos Céus e nos quer ver a todos como irmãos e irmãs na terra, humildemente inclino a cabeça e, com a tristeza no coração, peço-Lhe perdão pela violência do homem sobre o homem”, afirmou, antes de fazer uma prece:

“Pai, tende piedade de nós! Consolai as vítimas e quantos sofrem. Convertei os corações de quem pratica tão cruéis atrocidades, que envergonham toda a humanidade. E abri os olhos àqueles que propositadamente os fecham ou passam ao largo para não ver estas abominações”

AS RAÍZES DOS CONFLITOS

O Santo Padre destacou que os atuais conflitos no País obrigam milhões de pessoas a abandonar suas casas, provocam gravíssimas violações dos direitos humanos, desintegram o tecido socioeconômico e causam feridas difíceis de cicatrizar.

Ao falar sobre as motivações de tais situações de conflito, o Papa apontou que são motivadas pelas dinâmicas étnicas, territoriais e de grupo; pela disputa por terras, ou decorrentes da ausência ou debilidade das instituições, por ódios falsamente alimentados por uma suposta defesa da fé, mas, principalmente por uma “insaciável ganância”.

“É, sobretudo, a guerra desencadeada por uma insaciável ganância de matérias-primas e de dinheiro, que alimenta uma economia de guerra que exige instabilidade e corrupção. Que escândalo, que hipocrisia: as pessoas são estupradas e assassinadas, enquanto os negócios que provocam violências e mortes continuam a prosperar!”, lamentou.

“Dirijo um sentido apelo a todas as pessoas, a todas as entidades, internas e externas, responsáveis pela guerra na República Democrática do Congo, saqueando-a, flagelando-a e desestabilizando-a. Enriqueceis-vos mediante a exploração ilegal dos bens deste país e o sacrifício cruento de vítimas inocentes. Basta! Basta de se enriquecer na pele dos mais frágeis, basta de se enriquecer com recursos e dinheiro manchados de sangue!”, enfatizou.

NÃO À VIOLÊNCIA, NÃO À RESIGNAÇÃO

E diante deste contexto, o que fazer? O Papa aponta para um recomeço que seja marcado por dois “nãos” e por dois “sins”.

“Antes de mais nada, não à violência, sempre e em todo o caso, sem ‘se’ nem ‘mas’. Amar o próprio povo não significa nutrir ódio contra os outros. Pelo contrário, ‘amar o próprio país significa recusar a envolver-se com quantos incitam ao uso da força’”.

“O ódio só gera mais ódio, e violência outra violência”, disse, enfatizando que é preciso que se diga um claro e forte ‘não’ a quem os propaga em nome de Deus. “Queridos congoleses, não vos deixeis seduzir por pessoas ou grupos que incitam à violência em nome de Deus. Deus é Deus da paz, e não da guerra”

Francisco continuou dizendo que para se dizer “verdadeiramente ‘não’ à violência, não basta evitar atos violentos; é preciso extirpar as raízes da violência: penso na ganância, na inveja e, sobretudo, no rancor”.

Francisco também falou do “não” à resignação: “A paz pede para se combater o desânimo, o desalento e a desconfiança que nos levam a crer que é melhor suspeitar de todos, é melhor viver separados e afastados do que dar as mãos e caminhar juntos. Mais uma vez, em nome de Deus, renovo o convite a quantos vivem na República Democrática do Congo para que não desistam, mas se empenhem por construir um futuro melhor”.

Ainda de acordo com o Pontífice, “um futuro de paz não vai cair do céu, mas poderá chegar se se eliminarem dos corações o fatalismo resignado e o medo de se envolver com os outros. Um futuro diferente virá se for de todos e não de um, se for para todos e não contra alguém. Um futuro novo virá se o outro, seja ele tutsi ou hutu, deixar de ser um adversário ou um inimigo, passando a ser um irmão e uma irmã em cujo coração (assim é preciso acreditar) existe, embora oculto, o mesmo desejo de paz. Também no leste, a paz é possível! Acreditemos nisto e trabalhemos sem delegar para outro a mudança!”.

SIM À RECONCILIAÇÃO E À ESPERANÇA

“E eis-nos, finalmente, aos dois ‘sins’ pela paz. Em primeiro lugar, sim à reconciliação. Amigos, é maravilhoso aquilo que estais prestes a fazer. Quereis assumir o compromisso de vos perdoardes mutuamente e de repudiardes as guerras e os conflitos para solucionar as distâncias e as diferenças”, prosseguiu.

E, por fim, deve haver um sim à esperança. “Se é possível representar a reconciliação como uma árvore, como uma palmeira que dá fruto, a esperança é a água que a torna mimosa. Esta esperança tem uma fonte, e esta fonte tem um nome, que quero proclamar aqui juntamente convosco: Jesus! Jesus: com Ele, o mal já não tem a última palavra sobre a vida; com Ele, que, dum túmulo – estação final do trajeto humano – fez o início duma nova história, abrem-se sempre novas possibilidades”.

Por fim, o Papa disse aos participantes que ter esperança é um direito, o qual precisa ser conquistado. “Como? Semeando-a cada dia, com paciência. Volto à imagem da palmeira. Diz um provérbio: ‘Quando comes a tâmara, vês a palmeira, mas quem a plantou, há muito tempo que voltou à terra’. Por outras palavras, para se obter os frutos esperados, é preciso trabalhar com o mesmo espírito dos plantadores de palmeiras, pensando nas gerações futuras e não nos resultados imediatos. Semear o bem faz-nos bem: liberta da lógica estreita do ganho pessoal e dá de prenda a cada dia o seu porquê; traz à vida o respiro da gratuidade e torna-nos mais semelhantes a Deus, semeador paciente que irradia esperança sem nunca Se cansar”.

Após o discurso do Papa,  a assunção de compromisso de perdão foi realizada pelas vítimas presentes e o ato foi concluído com a bênção do Pontífice.

(Com informações de Vatican Media)

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