Brasil tem múltiplos desafios para a formação básica dos estudantes

Texto-base da CF 2022 alerta para a desigualdade na qualidade na oferta de Educação, o que se reflete na aprendizagem dos estudantes

Ana Karla Muner/Secretaria Municipal da Eucação de São Paulo

Aberta na Quarta-feira de Cinzas, 2, a Campanha da Fraternidade 2022 tem entre seus objetivos analisar o contexto educativo na cultura atual, os desafios potencializados pela pandemia e os impactos das políticas públicas na Educação. Evasão escolar, nível de aprendizado abaixo do esperado, dificuldades para acesso a tecnologias e precariedades de infraestrutura das escolas são algumas das questões que devem despertar a atenção de toda a sociedade e que impactam diretamente a vida de 47,3 milhões de estudantes até 17 anos e seus mais de 2,2 milhões de professores, nas 179,5 mil unidades escolares, conforme dados do Censo Escolar 2020.

QUANTITATIVOS

Do total de matriculados na educação básica – que contempla o ensino infantil, fundamental e médio –, 48,4% estudam em escolas municipais, 32,1% em estaduais, 18,6% na rede privada e menos de 1% em escolas federais.

Praticamente 100% daqueles com idade entre 6 e 14 anos estão matriculados. Já na faixa etária dos 15 aos 17 anos, o percentual é de 89,2%.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2019, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 10,1 milhões de brasileiros entre 14 e 29 anos não completaram alguma das etapas do ensino fundamental ou médio.

SEM SABER LER E ESCREVER

Fundada em 2006, a organização Todos pela Educação – sem fins lucrativos, plural e suprapartidária – monitora continuamente as políticas educacionais no País. Em uma nota técnica de fevereiro de 2021, com base em dados da Pnad Contínua, a instituição alerta que de 2019 a 2021 o número de crianças entre 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever, segundo a percepção de seus responsáveis, cresceu 66,3%, perfazendo um total de 2,4 milhões de estudantes, 40,8% da população nessa faixa etária. Em 2019, o percentual era de 25,1%. Quando a análise nessa faixa etária recaiu sobre os mais pobres, em dois anos este percentual saltou de 33,6% para 51%. Houve também maior incremento entre as crianças negras (de 28,8% para 47,4%) e pardas (de 28,2% para 44,5%) em comparação com as brancas (de 20,3% para 35,1%).

“Esses dados mostram a tragédia que temos hoje, em particular na alfabetização de crianças, porque se sabemos que o ensino remoto na pandemia não foi implementado da forma que deveria no Brasil, ele foi ainda menos eficaz para as crianças pequenas que não conseguem ficar na frente do computador ou ter uma aula sem a mediação presencial do professor. Se a criança não for plenamente alfabetizada até o segundo ano do ensino fundamental, que é o que preconiza a Base Nacional Comum Curricular, ela terá muita dificuldade em desenvolver outras competências ao longo de sua trajetória, e isso aumenta o risco de abandono e de evasão”, detalhou, ao O SÃO PAULO, Gabriel Corrêa, líder de políticas educacionais da Todos pela Educação.

AUMENTO DA EVASÃO ESCOLAR

Outro impacto já perceptível por causa da pandemia de COVID-19 na educação brasileira é o aumento da evasão escolar. Conforme nota técnica da Todos pela Educação de dezembro de 2021, o número de crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola cresceu 171,1% em comparação a 2019, totalizando 244 mil pessoas. Já a evasão de jovens entre 15 e 17 anos alcançou a marca de 407,4 mil.

“Do ponto de vista educacional, o fechamento muito prolongado das escolas durante a pandemia, com a adoção muito frágil do ensino remoto, contribuiu para um desengajamento muito forte dos estudantes”, analisou Corrêa, apontando, ainda, que o poder público não agiu de modo efetivo para conter tal situação: “Professo- res e diretores escolares se desdobraram durante a pandemia para manter algum vínculo com os estudantes, mas, com a falta de ação do poder público, essas iniciativas foram muito prejudicadas, não ocorreram de modo generalizado, o que contribuiu demais para o problema de evasão e, também, para a perda de aprendizagem”.

CONHECIMENTOS ABAIXO DO ESPERADO

A Todos pela Educação também fez um comparativo sobre o percentual de estudantes que atingiram o nível de aprendizado esperado, tanto no 5º e no 9º anos do ensino fundamental quanto na 3a série do ensino médio. Apesar dos avanços vistos na comparação entre 2007 e 2019 em cada faixa etária, quanto maior o nível de instrução esperado, menos estudantes o alcançaram. Em 2019, por exemplo, em Língua Portuguesa, 61,1% atingiram o nível ideal no 5º ano, 41,4% no 9º ano e 37,1% ao fim do ensino médio. Em relação a Matemática, os percentuais foram 51,5% no 5o ano, 24,4% no 9o ano do ensino fundamental e 10,3% no 3º ano do ensino médio.

“Se por um lado o Brasil tem conseguido avançar na aprendizagem de seus alunos mais novos no primeiro ciclo do ensino fundamental, por outro isso não tem se refletido tanto para os anos finais do fundamental e muito menos para o ensino médio. Assim, há problemas a serem resolvidos ao longo da trajetória escolar dos alunos, a fim de que os jovens se formem com as aprendizagens adequadas como se espera no currículo, e tenham uma educação que busque o desenvolvimento humano integral”, comentou Corrêa.

Também no texto-base da CF 2022 é destacado que “a desigualdade na qualidade da oferta e seus parcos resultados na aprendizagem dos estudantes, além de não superar o fosso da desigualdade social, alimentam justificativas que naturalizam essa mesma desigualdade, apontando que o problema do acesso teria sido enfrentado. É importante destacar que acesso sem qualidade é um simulacro de acesso” (CF 2022, nº 72).

DESIGUALDADE NO USO DE TECNOLOGIAS

Conforme o Censo Escolar 2020, o acesso à internet está disponível em 96,8% das escolas particulares e em 66,2% das unidades da rede municipal, sendo que nestas há outros indicativos do baixo acesso a tecnologias: apenas 9,9% possuem lousa digital, 54,4% projetor multimídia, 38,3% computador de mesa e 23,8% computador portátil.

Um relatório do Tribunal de Contas da União – a partir de dados do Ministério da Educação e do Censo Escolar 2020 – apontou que 92,4% das escolas públicas de educação básica na rede estadual contavam com acesso à internet, enquanto na rede municipal essa proporção era de 69,5%. Além disso, do total de escolas municipais com internet, 90% de seus responsáveis afirmaram fazer uso da internet para fins administrativos, 19% para uso dos alunos e 36% para atividades de ensino e aprendizagem.

INFRAESTRUTURA DAS ESCOLAS

Não menos desafiador é o panorama de infraestrutura das unidades escolares. De acordo com dados do Instituto Trata Brasil, em 4,3% das escolas de ensino fundamental não há banheiros e 34,2% delas não são atendidas por rede pública de abastecimento de água.

Há, ainda, outros problemas estruturais. Um levantamento publicado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em novembro de 2021, que vistoriou 486 unidades escolares paulistas, em 348 cidades, revelou que em 39,71% destas se verificaram telhas quebradas, goteiras, infiltrações, mofo e bolor. Além disso, 38,07% estão com paredes com rachaduras, pintura descascada e sinais de vandalismo. Outro dado é que em 63,37%, os banheiros estavam em condições precárias, com falta de papel higiênico, papel toalha, sabão para limpeza das mãos, água, portas, torneiras, tampas e até vasos sanitários; e, em 36,01%, foram encontradas carteiras quebradas, lâmpadas queimadas, vidros e janelas danificados, ventiladores inoperantes, entre outros problemas.

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