Setembro Verde: a doação de órgãos é um gesto de amor fraterno em favor da vida

Você já parou para pensar se deseja que seus órgãos sejam doados quando morrer? Uma pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, em agosto de 2021, com 1.976 pessoas, mostrou que 70% querem ser doadoras, mas destas 46% ainda não informaram à família esse desejo. 

HRSJC

Com o objetivo de motivar a população sobre a importância da doação de órgãos e tecidos e de conversar a respeito do assunto com familiares e amigos, é realizada anualmente no Brasil a campanha “Setembro Verde”, mês em que se comemora o Dia Nacional da Doação de Órgãos, em 27 de setembro. 

A iluminação de monumentos e prédios públicos com a cor verde, a divulgação de mensagens em relógios e letreiros em vias públicas, sobre a importância da doação de órgãos e tecidos, e um ato inter-religioso na Catedral da Sé, no sábado, 17, às 10h, são algumas das iniciativas do Setembro Verde 2022, campanha que tem como uma das promotoras a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). 

Conforme dados da Biblioteca Virtual em Saúde, do Ministério da Saúde, entre os órgãos que podem ser doados estão o rim, fígado, coração, pâncreas e pulmão, e entre os tecidos a córnea, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical. Destaque-se, ainda, que a doação de rins, partes do fígado e da medula óssea pode ocorrer em vida, conforme critérios clínicos específicos. 

UM PROCESSO CRITERIOSO E COM CONSENTIMENTO FAMILIAR 

A remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento está prevista na lei federal 9.434/2007, regulamentada pelo decreto 9.175/2017. 

Quando da morte encefálica de pacientes assistidos em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), a família tem a palavra final sobre a doação dos órgãos e tecidos, conforme detalham os artigos 17 e 20 do referido decreto federal. 

“Qualquer pessoa com diagnóstico de morte encefálica é considerada uma potencial doadora, mas é somente a família quem autoriza essa doação. Portanto, é muito importante que as pessoas conversem com os seus familiares sobre esse desejo de doar o órgão, para que isso seja respeitado se a pessoa chegar à condição de morte encefálica”, explicou ao O SÃO PAULO o médico Gustavo Fernandes Ferreira, presidente da ABTO. 

Questionado sobre familiares que não autorizam a doação de órgãos por acreditar que a morte encefálica ainda possa ser reversível, Ferreira ressaltou que esse parecer é obtido por rigorosos critérios: “A morte encefálica é um diagnóstico já muito bem definido pela Medicina há décadas. Hoje, no Brasil, existem dois testes realizados por profissionais clínicos diferentes, associados a um exame de imagem, na maioria das vezes uma arteriografia ou um ultrassom com doppler das artérias do cérebro, mostrando que não existe mais nenhuma atividade cerebral e, consequentemente, a morte é irreversível”. 

RECORDE NA LISTA DE ESPERA 

De acordo com o presidente da ABTO, atualmente mais de 50 mil pessoas aguardam por um transplante de órgão ou tecido no Brasil, uma quantidade recorde. “Esta é a primeira vez na história da atividade de transplantes do País que atingimos um número tão relevante. Infelizmente, a pandemia exacerbou estes números”, comentou, detalhando que a maior fila de espera é de transplante renal: “São cerca de 28 mil pessoas no Brasil aguardando por um rim.” 

Conforme dados divulgados em março pela ABTO, o número de doadores de órgãos em 2021 foi 4,5% menor em comparação ao registrado no ano anterior: 3.207 pessoas ante 3.330 em 2020. Em 2019, foram 3.768 doadores. Destaque-se, porém, que no ano passado a quantidade de notificações de potenciais doadores aumentou significativamente, mas muitas doações não se efetivaram em razão das medidas adotadas para evitar a disseminação do coronavírus, entre as quais a não realização de transplantes de órgãos retirados de pessoas que morreram em consequência da COVID-19. 

Todos os órgãos doados são destinados a pacientes que necessitam de um transplante e que estejam na lista única, definida pela central de transplantes da Secretaria de Saúde de cada estado e controlada pelo Sistema Nacional de Transplantes (SNT). Com isso, busca-se evitar e coibir quaisquer tentativas de comércio de órgãos. 

Um ato de generosa solidariedade a ser encorajado 

Por meio de sua doutrina e nos posicionamentos dos papas e bispos, a Igreja tem se posicionado favoravelmente à doação de órgãos, desde que respeitados os limites morais, e que tal atitude não tenha finalidade de comercialização da vida humana. 

“A doação de órgãos após a morte é um ato nobre e meritório e deve ser encorajado como uma manifestação de generosa solidariedade”, consta no Catecismo da Igreja Católica (CIC, 2296), com a ressalva de que “não é moralmente aceitável se o doador ou os seus representantes não lhe tiverem dado o seu consentimento expresso. Para além disso, é moralmente inadmissível provocar diretamente a mutilação que leve à invalidez ou à morte de um ser humano, ainda que isso se faça para retardar a morte de outras pessoas”. 

Na encíclica Evangelium vitae (EV), publicada em 1995, São João Paulo II manifesta apreço pela “doação de órgãos feita, segundo formas eticamente aceitáveis, para oferecer uma possibilidade de saúde e até de vida a doentes, por vezes já sem esperança” (EV, 86), mas ressalta que a extração dos órgãos deve respeitar “os critérios objetivos e adequados de certificação da morte do doador” (EV,15). 

Também a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de seu conselho permanente, posicionou-se sobre o tema em setembro de 2008: “Vemos na doação voluntária de órgãos um gesto de amor fraterno em favor da vida e da saúde do próximo”. Na nota, os bispos também encorajaram as famílias para “que – livre, conscientemente e com a devida proteção legal – doem órgãos como gesto de amor solidário em consonância com o evangelho da vida. Certamente, estamos diante de um gesto nobre e comovente: um sim à vida”. Entretanto, apontaram que a doação de órgãos “exige rigorosa observância dos princípios éticos que proíbem a provocação da morte dos doadores, a comercialização e o tráfico de órgãos”. 

Também o Papa Francisco falou sobre o assunto em uma audiência em abril de 2019. “O significado da doação para o doador, para o receptor e para a sociedade não termina em sua utilidade, pois se trata de experiências profundamente humanas e cheias de amor e altruísmo. A doação significa olhar e ir além de si mesmo, além das necessidades individuais e abrir-se com generosidade a um bem mais amplo. Nessa perspectiva, a doação de órgãos não é apenas um ato de responsabilidade social, mas uma expressão de fraternidade universal que une todos os homens e mulheres”, afirmou o Pontífice, ressaltando que este deve ser um gesto sempre gratuito, pois “toda forma de comercialização do corpo ou de uma parte dele é contrária à dignidade humana”. 

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