Esmola: manifestação concreta da misericórdia de Deus para com o próximo

(Foto: iStockphoto)

Ao lado do jejum e da oração, a esmola é uma das práticas penitenciais recomendadas pela Igreja não apenas no tempo quaresmal, mas ao longo de toda vida cristã.

São Leão Magno, em um de seus sermões, no século V, afirma: “A estes santos e razoáveis jejuns, nada virá juntar-se com maior proveito do que as esmolas. Sob o nome de obras de misericórdia, incluem-se muitas e louváveis ações de bondade”.

Em uma catequese de 2016, no contexto do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Papa Francisco recordou que o termo grego do qual deriva a palavra “esmola” (eleemosyne: “piedade, mercê”) também é compreendido como “misericórdia”. “A esmola é um gesto de sincera solicitude por quem se aproxima de nós e nos pede ajuda; esta ajuda não deve ser prestada com alarde para sermos louvados pelos outros, mas no segredo onde só Deus vê e compreende o valor do ato realizado”, acrescentou o Pontífice.

Testemunho de caridade

A esmola é portanto, é uma manifestação concreta das obras de misericórdia, isto é,  as ações caritativas pelas quais o cristão socorre o próximo em suas necessidades corporais e espirituais. “Dentre esses gestos de misericórdia, a esmola dada aos pobres é um dos principais testemunhos da caridade fraterna. E também uma prática de justiça que agrada a Deus”, destaca o Catecismo da Igreja Católica (2462).

Para isso, é importante recordar que as obras de misericórdia corporais são: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, dar moradia aos desabrigados, vestir os maltrapilhos, visitar os doentes e prisioneiros, sepultar os mortos.  Já instruir, aconselhar, consolar, confortar são obras de misericórdia espirituais, assim como perdoar e suportar com paciência.

O próprio Jesus exortou seus discípulos a essa prática, quando diz: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem; quem tiver o que comer, faça o mesmo” (Lc 3,11). “Dai o que tendes em esmola, e tudo ficará puro para vós” (Lc 11,41). Outros textos do Novo Testamento também a recomendam, como, por exemplo: “Se um irmão ou uma irmã não tiverem o que vestir e lhes faltar o necessário para a subsistência de cada dia, e alguém dentre vós lhes disser ‘Ide em paz, aquecei-vos e saciai-vos, e não lhes der o necessário para manutenção, que proveito haverá nisso?’” (Tg 2, 15-16).

Olhar para a pessoa

Muitas vezes, sobretudo na realidade dos grandes centros urbanos, as pessoas têm receio de dar esmola àqueles que as pedem nas ruas. Alguns questionam se o donativo será destinado para a satisfação de uma necessidade lícita ou, nos caso das crianças, se estará alimentando algum sistema de exploração ou corrupção de menores.

Nesse sentido, muitas pessoas preferem ajudar iniciativas de caridade organizadas, muitas delas realizadas pela Igreja, por meio de instituições, associações, pastorais que promovem a solidariedade para com os mais pobres.  No entanto, não se pode perder de vista que a esmola não é apenas um ato de “responsabilidade social” praticado por um cidadão, mas o comprometimento com a vida do outro, que, para o cristão, é identificado como próximo, como irmão.

Sobre esse aspecto, o Papa também enfatizou que a esmola não deve ser identificada apenas como a “a oferta de uma moedinha, dada às pressas para nos livrarmos de um pedinte”, mas, ao contrário, consiste em olhar para a pessoa e deter-se a falar com ela, “para entender verdadeiramente o que ela necessita”.

Santa Teresa de Calcutá (Reprodução da internet)

Tal experiência foi vivida por Santa Teresa de Calcutá, em 10 de setembro de 1946, quando, durante uma viagem de trem, a jovem religiosa se deparou com um homem pobre na estação que lhe disse: “Tenho sede!”. Ela ouviu essas palavras como se fossem do próprio Cristo agonizante na cruz, como relata o Evangelho da sua paixão. A partir disso, ela afirmou ter tido a clareza de sua missão: dedicar toda sua vida aos mais pobres dos pobres.

Muitas vezes, essa Santa foi acusada de praticar um mero “assistencialismo” pelo fato de apenas dar de comer àqueles que mais necessitavam em vez de favorecer para que tivessem condições de obter sozinhos o próprio sustento. Recordando o famoso dito popular de que não se deve dar peixes aos homens, mas ensiná-los a pescar, Teresa respondia: “Muitas vezes, eles nem têm forças para segurar as varas. Ao dar-lhes peixes, ajudo-os a recuperar forças para a pesca de amanhã”.

Repartir

Em uma catequese de 1979, São João Paulo II reconheceu que a palavra “esmola” é vista por muitos como algo pejorativo e humilhante. “Esta palavra parece supor um sistema social em que reina a injustiça, a desigual distribuição dos bens, um sistema que deveria ser mudado com reformas adequadas”, refletiu o Pontífice polonês, que acrescentou:

“Podemos não estar de acordo com quem dá a esmola, pelo modo como a dá. Podemos também não concordar com quem estende a mão pedindo esmola, se não se esforça por ganhar a vida por si mesmo. Podemos não aprovar a sociedade, o sistema social, em que haja necessidade de esmola. Todavia, o fato mesmo de prestar auxílio a quem precisa, o fato de repartir com os outros os próprios bens deve merecer respeito”.

Para, porém, que a esmola seja de fato uma expressão da caridade de Cristo para com o próximo, a Igreja recorda que ela não pode ser uma prática meramente exterior, mas deve ser alicerçada naquele que é a fonte da misericórdia. Sobre esse aspecto, São Pedro Crisólogo, no século IV, dizia que “o que a oração pede, o jejum alcança e a misericórdia recebe”.

Amor ao próximo

A prática da esmola vai além da oferta material. “Se realmente nada podemos dar, mostremo-nos, pelo menos, afáveis para com os pobres. Deus premia o coração quando não há algo para dar. Ninguém diga: ‘Não tenho nada; a caridade não é só pão’”, afirmou Santo Agostinho.

‘A Caridade de Santa Elisabete da Hungria’, de Edmund Leighton (1915)

Já São João Maria Vianney ressaltou que “a esmola não consiste somente em dar de comer a quem tem fome e em vestir o que está nu; mas são todos os favores que se prestam ao próximo, seja para o corpo, seja para a alma”, quando feitos “com espírito de caridade”.

O cristão não pode perder de vista que o critério da caridade deve ser sem pre o bem absoluto, a salvação eterna do necessitado. Nesse sentido, a caridade nunca deve ser feita para agradar o outro custe o que custar, mas para fazer o bem ao outro.

Por essa razão, muitos optam por, em vez de dar esmola diretamente às pessoas que pedem nas ruas, ajudar instituições e obras que promovem a caridade de maneira organizada na sociedade.

Contra a avareza

O ato de “abrir as mãos” ao dar esmolas é considerado um remédio eficaz contra o vício da avareza. Quanto mais apegado alguém for ao dinheiro, tanto mais deve fazer o exercício de “dar” boas e generosas esmolas.

Segundo São João Crisóstomo, quem dá esmola, como convém, aprende a desprezar as riquezas. “Quem aprende a desprezar as riquezas arranca a raiz de todos os males. Desse modo, não tanto faz o bem quanto recebe, não somente em consideração do proveito e recompensa da esmola, mas, também, porque sua alma se torna sábia, elevada e rica”, continuou.

Frutos

A esmola atrai a bênção de Deus e produz frutos abundantes. São Cipriano dizia que a esmola é “escudo da esperança, suporte da fé, remédio do pecado; está ao alcance de quem quiser praticá-la, e é tão grande como fácil; constitui a coroa da paz sem risco algum de perseguição; é o verdadeiro e o maior dom de Deus; é necessária aos fracos e cumula de glória os fortes. Por meio dela, o cristão recebe a graça espiritual, ganha méritos diante de Cristo juiz, e passa a ter a Deus como seu devedor”.

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