Frei André Tavares: Os que consagram a vida a Deus buscam, em Cristo, a perfeição da caridade

Dominicanos

Na quinta-feira, 2, Festa da Apresentação do Senhor, celebra-se o Dia Mundial da Vida Consagrada, para destacar essa vocação da qual, por meio dos séculos, homens e mulheres decidem entregar suas vidas inteiramente a Deus para o serviço à Igreja e à santificação, por meio dos votos de castidade, pobreza e obediência. 

Aos 41 anos e 17 de vida consagrada, Frei André Tavares, Prior Provincial da Ordem dos Pregadores (Dominicanos) no Brasil, falou ao O SÃO PAULO sobre o significado da vida religiosa e o processo de revitalização ocorrido nos últimos anos, que, assim como outras ordens históricas que deram muitos santos para a Igreja, vê o florescer de novas vocações.

O SÃO PAULO Por que o senhor decidiu se tornar um frade dominicano? 

Frei André Tavares Nasci em Jaboticabal (SP), numa época em que a secularização já existia, mas, no interior de São Paulo, um lugar com a Igreja muito presente, eu sempre tive uma relação forte com Deus. Quando tinha entre 17 e 18 anos, decidi ingressar no seminário da diocese, porque, até o momento, eu não conhecia a vida religiosa masculina. Uma vez, o meu reitor me pediu que eu auxiliasse o bibliotecário do seminário. E lá, na biblioteca, que eu descobri os dominicanos e encontrei na vida dominicana aquilo que eu buscava, pois eles propunham uma vida de comunidade, oração e de estudo voltada para a pregação. Então, conversei com os meus superiores do seminário com muita tranquilidade, dizendo que eu precisava sair não por falta, mas por ter outra vocação. Vim para São Paulo para fazer uma experiência e estou experimentando até hoje.

Como o senhor define o carisma dos dominicanos? 

Sobretudo depois do século XIX, muitas das famílias religiosas nasceram com carismas muito pontuais, exatos e voltados à caridade. Por exemplo, você não pode pensar em um jovem que queira ser camiliano se ele não tem propensão à área da Saúde, não pode pensar um salesiano fora de um colégio, de uma faculdade. Aí, quando nos voltamos para ordens medievais como franciscanos e dominicanos, qual é o carisma? O importante não é aquilo que se faz, mas o modo como se vive e a tradição na qual se vive. Nesse sentido, existem dominicanos que foram diretores de cinema, grandes teólogos, outros são excelentes párocos, há aqueles que se especializaram na área das ciências, os que se engajaram nos movimentos populares… O nosso modo de vida, contudo, é idêntico em todos esses lugares. 

Então, como explicar a vida religiosa consagrada? 

Quando houve uma grande crise na Universidade de Paris no século XIII, em que os seculares, por uma série de razões, questionavam violentamente se era ou não correto que religiosos, especificamente franciscanos e dominicanos, pudessem deixar o claustro para pregar, Tomás de Aquino teve que escrever alguns opúsculos para defender esse modo de vida religiosa. Ele, então, tomou a parábola do jovem rico, que perguntou a Jesus o que deveria fazer para ter o Reino dos céus, uma vez que já observava os mandamentos. Jesus então olha para aquele jovem e diz: “Mas se tu queres ser perfeito, vende tudo que tens aos pobres e segue-me”. A palavra perfeição parece importante. Santo Tomás analisou que vender tudo que tem e dar aos pobres ainda não era suficiente para alcançar aquela perfeição. Era preciso seguir Jesus. E o seguimento se dá na caridade. Então, é quando eu me liberto de tudo que me impede de me configurar ainda mais a Cristo para segui-lo na caridade, aí se está realizando a vida religiosa. Na missa do dia da profissão religiosa solene, lembramos que a primeira graça do segmento de Jesus Cristo é a recebida no Batismo. No entanto, alguns corações são chamados, de maneira especial, a se consagrarem totalmente para parecer mais perfeitos na caridade. É por isso que o decreto do Concílio Vaticano II, que trata da renovação da vida religiosa, chama-se Perfectae caritatis (Perfeita caridade). 

Como é a realidade dos dominicanos no Brasil atualmente? 

O Brasil é uma província com cerca de 70 frades. Atualmente, temos cinco noviços que, desde novembro do ano passado, fazem essa etapa em Milão (Itália). Hoje temos dez formandos fazendo estudos filosóficos e teológicos e mais cinco ingressando no pré-noviciado. No início de janeiro, tivemos três profissões simples e, no dia 27, quatro noviços fizeram a profissão solene, consagrando-se até a morte. O que percebemos na nossa Ordem no País é uma estabilidade que vai aumentando a cada ano. Estamos, portanto, em um momento de renovação, sendo que a presença dominicana no Brasil é recente, pois os primeiros frades só chegaram ao País no final do século XIX.  

É possível afirmar que há um caminho de revitalização ou de volta às origens da vida religiosa?

Hoje, existem alguns desafios que nos preocupam bastante, como a questão da polarização no mundo, que também se faz presente na Igreja, a secularização crescente e rápida, além do atual contexto do mundo digital. Por outro lado, vemos que, hoje, os jovens sentem uma necessidade de maior identidade. Não é identitarismo, mas fazer parte de um grupo. Isso se dá justamente pelo fato de que muitos deles vêm de um mundo e, muitas vezes, de famílias, em que essa identidade não estava clara. Os frades mais velhos, por exemplo, que não sentem essa mesma necessidade, são pessoas que vieram da cristandade, de famílias sólidas, seminários menores, onde a presença de Deus saía pelos poros, onde a verdade, a figura do sacerdote, não havia sofrido os ataques que vemos hoje etc. Então, para esses, Cristo estava tão claro e sólido em seus corações que eles iam para o mundo e sabiam que não iam se perder… Já os jovens, imersos na cultura da imagem, no ambiente digital – basta ver a ênfase aos sinais, como as tatuagens –, redescobrem que, antropologicamente, o ser humano precisa de sinais, de ritos e que, aquilo que foi considerado antigo, atrasado, tem um valor importante: o silêncio, o hábito… Valor importante não em si mesmos, não como autorreferenciais, mas sempre para indicar o Cristo. Isso tem sido fonte de revitalização da vida religiosa, porque ninguém sai de casa, deixa faculdade, carreiras promissoras, para viver como antes, desejam viver uma nova vida.

Contudo, é sempre importante, na boa tradição religiosa ocidental, estarmos atentos ao equilíbrio. Quando o uso do hábito for mais para aparecer como tal e não para pregar, pode ser orgulho e não generosidade. Quando as penitências ganham mais sentido nelas mesmas do que me levar a ser mais caridoso, então é o momento de repensá-las. Nunca podemos nos esquecer de discernir o que é fundamental e o que é relativo.

Nesse sentido, o convívio intergeracional na comunidade religiosa ajuda a manter esse equilíbrio?

Sim. É importante que os mais velhos, como nas famílias, reconhecendo a novidade, às vezes, alguns elementos próprios dos mais novos, não se esqueçam de que eles têm o dever de inseri-los na vida dominicana, enquanto os mais novos têm o direito de receber uma tradição, mesmo que eles venham a ressignificá-la. Tem algo que é essencial, no nosso caso, a pregação e o modo de vida, que perdura há oito séculos. É importante, ainda, inserir-se na vida real da ordem. Eu amo a Igreja como ela é, não como gostaria que ela fosse, e dou o meu melhor para que ela seja cada vez mais como Deus a sonhou. Eu amo a Ordem como ela é, não como eu gostaria que ela fosse, e dou a minha vida para que ela seja cada vez mais parecida com o que São Domingos sonhou. Esse é o caminho.

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