Luto: de uma experiência de dor à manutenção de boas lembranças

Padre especialista em prevenção ao suicídio e jornalista lançam livro sobre como superar a morte de alguém querido, para que permaneçam doces recordações e não a dor da perda

Arquivo Pessoal

O falecimento de um familiar em outubro de 2019 fez com que o jornalista Rodrigo Luiz dos Santos aprofundasse as reflexões sobre o processo de luto com um amigo, o Padre Licio de Araujo Vale, do clero da Diocese de São Miguel Paulista e membro da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção ao Suicídio.

Das conversas entre os dois e diante do cenário de pandemia no Brasil, que levou muitas famílias à perda repentina de pessoas próximas, surgiu o livro “Superando a dor da perda de quem você ama: Uma ajuda no processo de transformação do luto em uma doce lembrança”, lançado em novembro pela editora Canção Nova.

“Cada pessoa vive o processo de luto de uma maneira diferente. É algo muito pessoal, mas o fato de muitas pessoas não terem conseguido se despedir de quem amavam tornou o processo mais desafiador”, comentou Santos ao O SÃO PAULO.

UMA DOR QUE NÃO PASSA

Apesar da permanente saudade de quem morreu, para quem fica o ritmo de vida volta ao normal após alguns meses, mas quando isso demora a acontecer ocorre o chamado luto prolongado.

“Isso acontece quando o indivíduo se torna emocionalmente paralisado com o luto por um longo período de tempo, sofrendo intensamente e tendo prejuízos na maioria das áreas da sua vida, senão em todas. Ele vivencia um forte medo de emoções dolorosas e da possibilidade de ‘perder o controle’. Há também o medo de esquecer a pessoa ou que a estará traindo, se seguir em frente. Pensamentos de que ele nunca mais será o mesmo, uma raiva ou culpa excessiva, descrença e desesperança persistente e uma quantidade significativa de ruminação de pensamentos disfuncionais também podem estar presentes”, explicou Padre Licio à reportagem.

A maior incidência de casos assim fará com que a partir de 2022 o luto prolongado seja considerado um transtorno psiquiátrico na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11). Deste modo, poderá ser devidamente tratado como uma doença.

Padre Licio alertou que muitas vezes o luto prolongado é confundido com depressão: “Muitas pessoas entram em ciclos problemáticos de uso de álcool, drogas, analgésicos ou outras substâncias como uma maneira de escapar um pouco da dor do sofrimento, que pode tornar a superação ainda mais complexa. Por isso, se estiver com dificuldade e com muito sofrimento, não hesite em buscar apoio psicológico. Uma psicoterapia pode ajudá-lo a aceitar a situação atual e a lutar para alterá-la”.

O Sacerdote assegurou que não existem receitas prontas, cartilhas ou fórmulas para lidar com a questão, pois é algo peculiar, de modo que o luto deve ser respeitado, ouvido e vivido: “É importante entrar em contato com aquilo que ajuda e atrapalha nesse percurso, cuidar da dor, identificar emoções e comunicá-las, poder pedir ajuda ou espaço quando necessário e contar com a rede de apoio para essas tarefas”.

LUTO SAUDÁVEL

Padre Licio destacou a existência do luto saudável, aquele que permitirá que a pessoa passe da dor da perda à restauração. “O enlutado voltado para a dor nega e evita a realidade da morte e da perda, vê fotografias, fala sobre o ente falecido, rumina sobre como seria a vida se ele não tivesse falecido e anseia pela sua proximidade. Em algum momento, porém, ele passa a experimentar movimentos orientados para a restauração: responde às mudanças e reorganizações necessárias, assume tarefas antigas ou novas, se distrai e lida com a nova identidade pós-perda. O esperado é que o enlutado possa oscilar entre essas duas esferas, perda e restauração, pois é esse movimento que possibilita a elaboração do luto. Aquela dor que a princípio toma conta de tudo, em algum momento passa a ser tomada pelo enlutado como sua, uma dor assimilada, que encontra um lugar seguro dentro dele, e os dois, dor e enlutado, podem conviver de forma mais ‘harmoniosa’”, comentou.

Para se chegar a essa harmonia, porém, “é preciso chorar, sentir, entrar em contato com a dor, mas também, por outro lado, se permitir sorrir, experimentar coisas novas e antigas, aprender e reaprender. Ressignificar a vida após a perda é encontrar um novo lugar no mundo diante da ausência daquela pessoa amada, atribuir um novo significado para o vazio deixado, rever crenças e prioridades, planos e expectativas. No livro, chamamos isso de ‘transformar dor em saudade’: o desejo de acomodar a dor em algum lugar para que ela não tome conta de tudo que é nosso e que permaneçam vivas as boas lembranças, as histórias, os momentos vividos e o vínculo contínuo”, explicou.

PARA A VIDA ETERNA

Apresentador do jornal “Canção Nova Notícias – Edição da Manhã”, Rodrigo dos Santos recordou que o tema do luto não está à margem da experiência cristã: “Jesus chorou o luto do amigo Lázaro. A Bíblia dá ênfase a esse sentimento ao destacar um versículo ao choro de Jesus. Os Salmos também estão repletos de relatos desse processo humano. O Salmo 56, por exemplo, afirma que Deus recolhe cada uma de nossas lágrimas e não desperdiça nenhuma delas. A partir do ensinamento da Igreja, por meio dos Papas e de santos como Agostinho, é possível encontrar luzes para viver esse processo de superação”.

Também o Padre Licio destacou que, diante da morte de alguém querido, sempre é preciso lembrar que não se trata do fim: “A fé na ressurreição é um fator preponderante na elaboração do luto. Saber que a pessoa amada está viva no seio de Deus e que um dia nos reencontraremos Nele ajuda a confortar a perda temporária dessa pessoa. E a esperança cristã colabora para a transformação do luto, porque para ‘aqueles que creem, a vida não é tirada, é transformada’. No livro, lembramos a quem fica que: deve-se permitir confiar naquilo que se crê e não se entende; que não se cobre mais; que a pessoa amada cumpriu a sua missão e agora vive a eternidade feliz junto do Senhor!”, concluiu.

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