Mobilidade sustentável: uma questão ambiental e de dignidade humana

Fotos: Luciney Martins/O SÃO PAULO e Cláudia Pereira

Menor tempo nos deslocamentos diários, redução na emissão de gases poluentes, economia de verbas públicas a longo prazo e mais qualidade de vida. Estes são alguns saldos positivos aferidos em cidades que têm colocado em prática projetos de mobilidade sustentável, como Amsterdã (Países Baixos), Paris (França) e Berlim (Alemanha).

Em linhas gerais, a mobilidade sustentável é entendida como um conjunto de estratégias que permitam às pessoas terem mais rapidez e conforto em seus deslocamentos diários, por meio de sistemas de transporte que redundem em menor prejuízo possível ao meio ambiente.

Esta, porém, é uma realidade ainda distante na maior parte das grandes cidades do mundo, e foi um dos pontos de atenção do Papa Francisco na encíclica Laudato si’, publicada em 2015: “Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os transportes, que muitas vezes são causa de grandes tribulações para os habitantes. Nelas, circulam muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas, de modo que o tráfego torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição, consomem-se enormes quantidades de energia não-renovável e torna-se necessário a construção de mais estradas e estacionamentos que prejudicam o tecido urbano” (LS 153).

UMA TEMÁTICA GLOBAL

Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – o pacto de metas globais dos países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) – se prevê que até 2030 haja “acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres, crianças, pessoas com deficiência e idosos” (meta 11.2).

Nesse cenário ideal de mobilidade sustentável, cada vez menos deve haver espaço para veículos movidos a combustíveis fósseis, sendo estes gradualmente substituídos pelos que utilizam fontes renováveis – como biocombustíveis e energia elétrica –, e cada vez mais o cidadão deve dispor de alternativas para se deslocar pelos transportes públicos e por veículos como bicicletas, patinetes e monociclos elétricos.

EQUILÍBRIO ECONÔMICO, SOCIAL E AMBIENTAL

No artigo “Mobilidade Urbana Sustentável: conceitos, tendências e reflexões”, publicado em 2016 no repositório de textos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UNB), destaca que a mobilidade urbana sustentável está inserida em um conceito mais amplo de desenvolvimento sustentável, que considera as dimensões econômica, social e ambiental.

“Nas três dimensões discutidas dentro do conceito de mobilidade sustentável (social, econômica e ambiental), os grandes centros brasileiros apresentam poucas experiências bem-sucedidas. As políticas de incentivo e intensificação do uso do automóvel em detrimento do transporte público e do não motorizado causam grandes iniquidades sociais, desequilíbrios econômicos frequentes nos serviços e orçamentos públicos e, ainda por cima, agridem bastante o meio ambiente, em função das emissões de poluentes, ruídos e intrusão visual”, analisa Carvalho.

O especialista também aponta que além da melhoria da qualidade dos transportes públicos, os gestores devem viabilizar a “implantação de medidas de restrições ao uso dos veículos privados, principalmente nas áreas mais saturadas de trânsito, conjugadas com medidas de barateamento do transporte público coletivo”.

URGÊNCIAS BRASILEIRAS

No relatório “Mobilidade Urbana no Brasil – Marco Institucional e Propostas de Modernização”, lançado em maio pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), é apontada a urgência de melhorias nas infraestruturas de transportes das principais regiões metropolitanas do País, o que demandaria um investimento de R$ 295 bilhões nas próximas duas décadas, algo em torno de 3% do atual PIB brasileiro, dos quais R$ 271 bilhões na expansão de linhas de metrô, R$ 15 bilhões na ampliação da rede de trens e R$ 9 bilhões na malha de BRTs (os sistemas de transporte rápido por ônibus).

Entretanto, a CNI constata que “a expansão da frota, em concomitância à adoção de meios de transporte renováveis, passa ao largo das prioridades de política pública nos múltiplos níveis de governo no País, o que é compatível com a política de gestão que priorizou, historicamente, os modais motorizados e individuais, sobretudo na configuração de automóveis, em detrimento do transporte coletivo e não motorizado”; e destaca que o resultado desse modelo “é o crescimento do tempo despendido no deslocamento pendular, particularmente grave para as viagens em transporte coletivo utilizado por aqueles que tipicamente se encontram nos estratos mais baixos de renda e com moradia mais afastada dos locais de trabalho e centros de serviço”.

Em seu relatório, a CNI enfatiza que a adoção de uma mobilidade urbana sustentável trará mais qualidade de vida à população, redução da desigualdade espacial e aumento da competitividade da economia urbana, mas lembra que “a transição para uma matriz de transportes mais sustentável somente é viável, contudo, se os modais coletivos (ou ativos) [como o ciclismo e a caminhada] responderem à demanda de deslocamento das pessoas para as suas atividades diárias em bases eficientes e acessíveis”.

MENOS INDIVIDUALISMO E MENOS COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS

Na encíclica Laudato si’, o Papa lembra que em muitas cidades o transporte público “comporta um tratamento indigno das pessoas devido à super-lotação, ao desconforto ou à reduzida frequência dos serviços e à insegurança” (LS 153), sendo fundamental que haja melhoria neste serviço, algo que incidirá positivamente no meio ambiente (cf. LS 211).

Francisco também aponta que “tornou-se urgente e imperioso o desenvolvimento de políticas capazes de fazer com que, nos próximos anos, a emissão de dióxido de carbono e outros gases altamente poluentes se reduza drasticamente, por exemplo, substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável” (LS 26); e ressalta que “a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão, mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – deve ser, progressivamente e sem demora, substituída.” (LS 165).

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