Presépio napolitano: da natividade do Senhor ao cotidiano

Um dos maiores presépios desse estilo pode ser visto durante todo o ano no Museu de Arte Sacra de São Paulo

Fotos: Iran Monteiro/Museu de Arte Sacra de São Paulo

Famosos em todo o mundo, os presépios napolitanos, originários de Nápoles, no sul da Itália, misturam elementos sagrados com a vida ordinária, e se tornaram amplamente conhecidos a partir do século XVIII. 

Nessas montagens, além das representações comuns do presépio tradicional (Jesus, Maria, José, reis magos, anjo e animais) – tal qual fora pensado por São Francisco de Assis no século XIII – foram inseridas cenas do cotidiano do povo de Nápoles, personagens daquela época como ferreiros, verdureiros e sapateiros trabalhando, ciganos acampados, pessoas jogando cartas, crianças brincando e donas de casa cozinhando, expressando, assim, que o mistério da encarnação santifica todas as realidades humanas honestas.

As figuras desses presépios são feitas por técnicas mistas que têm o barro, a terracota e a madeira dentre os materiais usados. 

“Na maioria das vezes, nos napolitanos, o busto e a cabeça das figuras são de barro cozido. Já os braços, mãos e pés são em madeira entalhada. Uma armação de arame está presente no corpo, e fibras naturais compõem toda a sua estrutura”, explicou ao O SÃO PAULO, João Rossi, conservador e restaurador do Museu de Arte Sacra de São Paulo (MAS), que abriga um dos maiores presépios napolitanos do mundo.

Outra característica desse estilo de presépio é o fato de ele ser colecionável. Assim, desde o seu surgimento, as famílias que o desejam em casa podem comprar o grupo básico e depois ir adicionando novas peças à sua montagem.

Napolitano do MAS

Desde 1999, o Museu de Arte Sacra de São Paulo abriga uma instalação permanente de um presépio napolitano do século XVIII, confeccionado por diversos artistas, desde artesãos anônimos até artistas eruditos, como Giuseppe Gallo, Lorenzo Mosca e Matteo Bottigliero, dentre outros.

O conjunto remonta uma vila napolitana do então período, ocupando 110 m² de uma sala do MAS, que é antiga moradia do Capelão do Mosteiro da Luz.

São mais de 1,6 mil peças entre esculturas e acessórios produzidos em materiais como terracota, madeira, tecidos e metais. Além de rememorarem o Natal de Cristo, as peças representam diversos profissionais urbanos (como ferreiro, sapateiro, barbeiro, verdureiro, entre outros), pastores, homens do campo e, ainda, objetos, utensílios e móveis.

A obra foi trazida ao Brasil pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo, em 1949. Existem apenas outros dois conjuntos dessa proporção remanescentes do mundo: o do Palácio Real de Nápoles e o da Basílica de São Cosme e Damião, nas ruínas do Fórum Romano.

Em 1950, o conjunto foi exposto, pela primeira vez, na Galeria Prestes Maia, em São Paulo. No ano seguinte, foi desmontado e as peças ficaram guardadas na Metalúrgica Matarazzo, por cinco anos até ser doado ao Museu de Presépio da cidade de São Paulo, sendo transferido para o antigo Pavilhão do Folclore, no Parque do Ibirapuera, onde permaneceu em exposição até 1985.

Depois, o conjunto chegou ao MAS, sendo reapresentado ao público no final da década de 1990, após ser montado em um ambiente climatizado que assegura sua manutenção e preservação.

Detalhes 

O presépio napolitano do MAS não traz a cena do nascimento de Cristo e, sim, a da epifania, da visita dos magos, com músicos, uma grande procissão e os presentes. 

“Ao lado de toda essa apoteose que está acontecendo, tem o dia a dia. Tem uma mãe amamentando um filho, uma pessoa limpando a casa, um ferreiro forjando uma ferradura, uma pessoa fiando na roca, um sapateiro trocando solas de sapato, enfim”, detalhou Rossi. 

Apesar do amplo volume de peças, Rossi afirmou que a obra não possui figuras duplicadas: “Cada peça tem uma expressão diferente, um sentido diferente, uma vestimenta diferente”. 

Um exemplo dessa diversidade é a cena da epifania, em que Cristo está no colo de Maria, tendo ao lado José apoiando sua mão e tocando no Menino, enquanto os magos estão em adoração de joelhos e, enquanto na cidade de Nápoles, há um grupo em uma mesa jogando cartas.


Cristo nasce em meio ao cotidiano

Rossi destaca que o estilo do presépio napolitano permite que as pessoas percebam que Cristo nasce inserido em uma comunidade: “Esse presépio mostra o quanto Deus é Divino, mas se fez humano ali no meio das pessoas abastadas e, também, das pessoas humildes”. 

Ainda sobre o estilo napolitano, Rossi afirmou ser uma representação muito democrática, já que traz várias profissões e diversas situações, o que faz com que as pessoas se identifiquem e até se sintam com vontade de montar um presépio em suas casas.

Conservação

Embora existam até hoje presepistas napolitanos que seguem os modelos e as técnicas operacionais dos artesãos do século XVIII, dando continuidade à produção artística desse estilo de presépio, no que está no MAS não são inseridas novas peças e a atenção central é preservar as já existentes. 

Para garantir a conservação de todo o conjunto, o Museu faz um mapeamento das demandas de todas as peças. “As ações de restauro são pontuais. Vamos supor que dentro do grupo da Tarantela tem uma mulher com o avental descosturado. Retiramos essa peça para fazer o restauro nele e, assim, manter máxima originalidade. Assim é com tudo”, explicou Rossi, destacando que essa tradição atravessa gerações. 

“Esse conjunto do MAS é tão forte que, hoje, muitas pessoas trazem os filhos porque têm a lembrança de terem vindo quando crianças visitá-lo com os pais”, concluiu. 

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