Cabe à escola proporcionar condições à boa formação pedagógica dos estudantes, mas os principais atores da educação dos filhos são os pais
Da preparação do lanche que a filha leva à escola ao acompanhamento diário das tarefas escolares, Roberia Borges e o esposo, Sergio dos Anjos, participam ativamente da vida escolar de Isabela Borges dos Anjos, 13, aluna em uma escola estadual na cidade de Diadema, na Grande São Paulo.
“Sempre quero saber se o professor foi à escola e o que ele passou de conteúdo. Também acompanho como está a questão da higiene no colégio. Em casa, confiro o caderno, olho como ela está escrevendo e se fez todas as lições do dia. Lutamos para que a Isabela tenha um ensino bom”, detalha Roberia.
A postura do casal está em sintonia com um dos apelos da Campanha da Fraternidade deste ano: que a família seja protagonista no processo educativo dos filhos e mantenha permanente diálogo com a escola. O texto-base da CF 2022, cujo tema é “Fraternidade e Educação”, também faz menção ao Pacto Educativo Global, proposto pelo Papa Francisco, para recordar que cada instituição educativa é chamada a empreender “processos de diálogo e aproximação com as famílias, propondo uma aliança em torno de uma educação para a verdade, a solidariedade, o respeito às diferenças e a paz” (CF 2022, nº121).
COAUTORIA
Diretor do Instituto de Estudos Avançados em Educação, o professor Edivan Mota, também diretor de escola pública, destaca que, mais do que se falar em parceria entre a família e a escola, é preciso que se intensifique a ideia de coautoria.
“A participação da família no processo educativo tem que ser diária, não bimestralmente na reunião de pais só para ver as notas. Portanto, é fundamental estimular ações práticas, como o fato de os pais verem a lição de casa e olharem o caderno com frequência, bem como estabelecer diariamente uma comunicação da escola com a família. Deve-se ter isso em conta já na proposta pedagógica”, enfatiza.
Mota também defende que sempre que houver a possibilidade, a família deve ser chamada a opinar nas ações da instituição de ensino. “Se a escola decide que vai fazer uma festa fantasia, por exemplo, precisa tratar sobre o tema com os alunos e depois com os pais, a fim de que todo mundo se envolva. O que precisa existir, portanto, é uma cultura de coautoria. A família é a primeira educadora e não pode ser alijada do processo”, ressalta.
PROTAGONISMO DA FAMÍLIA
Em entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Carlos Lema Garcia, Bispo Auxiliar da Arquidiocese e Vigário Episcopal para a Educação e a Universidade, aponta que “o texto-base recorda o direito fundamental dos pais em relação à escolha da educação de seus filhos: ‘À família cabe o dever de educar, por essa razão, ela tem o direito de escolher a educação que dará a seus filhos e quais coadjutores associará a esse processo, considerando os valores que são para ela importantes (nº 183)”.
O Bispo comenta, ainda, que essa mesma convicção já havia sido expressa pelo Papa Francisco na exortação apostólica Amoris laetitia, em que o Pontífice lembra que a educação integral dos filhos é dever “gravíssimo” e “direito primário” dos pais, ou seja, não apenas um encargo, mas, também, um direito essencial e insubstituível.
“Assim, os atores principais da educação são os pais. Trata-se de um direito natural, oriundo da própria natureza da família: os filhos são educados pelos respectivos pais. E os pais delegam à escola a formação pedagógica dos seus filhos, sem, no entanto, desentender-se de sua responsabilidade primária. O Estado, por sua vez, deve prover as condições suficientes para que os pais possam exercitar esse direito de dar a educação adequada aos próprios filhos. Nesse sentido, o papel do Estado é verdadeiramente subsidiário: às famílias deve ser reconhecida a responsabilidade primeira em educar seus filhos e ao Estado cabe o dever de oferecer as condições pedagógicas e financeiras para a realização desse direito”, comenta Dom Carlos Lema, detalhando alguns outros aspectos fundamentais.
“Encontramos algumas orientações do texto-base da CF 2022 no sentido de considerar ‘a missão educativa da família cristã como um verdadeiro ministério, por meio do qual é transmitido e irradiado o Evangelho, ao ponto de a mesma vida da família se tornar itinerário de fé e, em certo modo, iniciação cristã e escola para seguir a Cristo…’ (nº 184). Em seguida, fazendo uma clara alusão ao Evangelho de Lucas acerca do crescimento de Jesus, menciona a família como o lugar privilegiado para os filhos crescerem em sabedoria, idade e graça. Por isso se diz que a família é escola de virtudes (cf. nº 179). Na convivência com os irmãos e seus pais, os filhos, desde pequenos, aprendem a ajudar-se mutuamente, a dividir os brinquedos, a alegrar-se com as alegrias dos outros e a se entristecer com suas dores. Assim, no âmbito da família, na convivência entre pais e filhos, é o lugar ‘onde se aprende a superar o egoísmo e a lançar-se no amor que cuida e se responsabiliza pelo outro incondicionalmente’ (nº 180). Parece importante acrescentar ainda outras obrigações irrenunciáveis dos pais: eles têm o dever moral de educar e propiciar o desenvolvimento dos filhos, formando para os valores éticos, para o amadurecimento afetivo, para o desprendimento das coisas materiais e para o enfrentamento de situações de risco, como são, por exemplo, os abusos, as agressões e as drogas (cf. nº 181)”.
ESFORÇO PELO BEM MAIS PRECIOSO
Dom Carlos Lema lembra que sempre há famílias que passam por momentos de crise ou estão desestruturadas, e que por isso a ajuda aos alunos também passa pelo acolhimento, solidariedade e formação dos pais. Além disso, é preciso considerar que muitos pais, em razão das rotinas de trabalho, encontram dificuldades para acompanhar o processo educativo dos filhos dentro da escola, “mas continua sendo fundamental que ambos – pai e mãe – acompanhem diariamente as tarefas, estudos e leituras recomendadas pela escola: trata-se de um dever irrenunciável dos pais para contribuir para o rendimento dos seus filhos na escola. Nesse sentido se entende aquele ditado africano que o Papa Francisco menciona para conclamar a responsabilidade de todos pela educação: ‘para educar uma criança, é preciso contar com toda a aldeia’. Assim, professores, pais e responsáveis pelas instituições de ensino formam, junto com os alunos, uma grande comunidade educativa”, destaca.
No texto-base da CF 2022, há a recomendação de que os pais participem ativamente e de forma respeitosa e construtiva das atividades promovidas pelas escolas (cf. nº 267). É o que faz Roberia, mãe citada no início da reportagem, e que se divide entre as tarefas domésticas e a gestão das redes sociais da filha, que é modelo e influencer digital. “Alguns pais dizem que trabalham muito e que não têm tempo para acompanhar a vida do filho na escola ou que não entendem o que os professores estão ensinando. A verdade, porém, é que alguns pais são bem relapsos e não cuidam dos filhos. As pessoas dão muitas ‘desculpas’, mas a realidade é que é preciso cuidar das crianças e da juventude para que não se percam”, enfatiza.