Sinodalidade é o tema central do curso de atualização teológica e pastoral do clero

Clérigos recebem formação, refletem e debatem sobre a caminhada conjunta – dimensão constitutiva da Igreja -, que a Arquidiocese é estimulada a resgatar e assumir 

Padres, diáconos, bispos auxiliares e o Cardeal Odilo Pedro Scherer participam no Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba (SP), da 19a edição do Curso de Atualização Teológica e Pastoral do Clero
Luciney Martins/O SÃO PAULO

O Mosteiro de Itaici, em Indaiatuba (SP), acolheu, entre os dias 8 e 11, os ministros ordenados atuantes na Arquidiocese de São Paulo para a 19º edição anual do Curso de Atualização Teológica e Pastoral do Clero. 

Este ano, em consonância com o sínodo arquidiocesano, o tema norteador das reflexões e debates foi “Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. Com a presença de Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo Metropolitano, dos bispos auxiliares, de padres e diáconos de todas as regiões episcopais, aproximadamente 200 ministros ordenados participaram da formação. 

O SÃO PAULO apresenta a seguir, em linhas gerais, um apanhado de alguns tópicos que foram abordados durante o curso, cuja finalidade é munir os clérigos de informações e conhecimentos que os ajudem, em seu agir ministerial cotidiano, a enfrentar os desafios do tempo presente e a construir uma Igreja mais bem preparada para o futuro. 

ABERTURA 

Além de apresentar a programação das atividades que aconteceriam ao longo dos dias, o Cardeal Scherer explicou o objetivo a ser atingido: “O temário geral do curso pretende nos ajudar a compreender melhor o que é a Igreja sinodal e como se traduz a sinodalidade no agir da nossa Igreja particular de São Paulo, como se realiza o caminho de comunhão, participação e missão”, afirmou na abertura do curso, no dia 8. 

Em face do andamento da terceira e última fase do sínodo arquidiocesano, com a realização das assembleias sinodais, Dom Odilo esclareceu a pertinência da escolha desse tema para aprofundá-lo mais uma vez com o clero reunido. 

“A nossa reflexão sinodal se encaminha para a elaboração de orientações e diretrizes a fim de que se realize aquilo a que o sínodo se propõe, em harmonia com o que Deus está nos chamando a fazer e a ser. Diante da realidade, vemos ao nosso redor que há coisas que precisam caminhar mais e melhor, de forma diferente, ou seja, precisamos renovar o nosso modo de ser e de fazer as coisas para que nossa Arquidiocese acolha a voz de Deus”, exortou. 

“Nosso sínodo deve testemunhar que Deus habita esta cidade, ou seja, que a Igreja não fique a olhar para si mesma, mas que seja capaz de olhar para todo o povo”, concluiu o Cardeal. 

Reunidos em Itaici, clérigos ouviram as reflexões dos bispos auxiliares da Arquidiocese de São Paulo e do Cardeal Odilo Pedro Scherer

DINÂMICA 

Mediante o eixo condutor baseado na sinodalidade, tanto Dom Odilo quanto os bispos auxiliares, além do Cônego José Arnaldo Juliano dos Santos e do Padre Boris Agustín Nef Ulloa – ambos teólogos-peritos do sínodo arquidiocesano –, apresentaram suas reflexões, cada uma delas focada em um determinado aspecto que diz respeito ao caminhar juntos que a Igreja de São Paulo se propõe a trilhar. 

Nesse contexto, foi possível abordar a questão sinodal sob diversos matizes, desde seus fundamentos bíblicos, teológicos e eclesiológicos até a necessidade da conversão pastoral e missionária, a missão confiada aos presbíteros, entre outras perspectivas, as quais podem ser lidas a seguir. 

FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA 

A fundamentação bíblica do conceito de sinodalidade foi apresentada pelo Padre Boris Agustín Nef Ulloa, doutor em Teologia Bíblica e Diretor da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção da PUC-SP. O biblista refletiu sobre o tema a partir das Sagradas Escrituras, com destaque para o livro dos Atos dos Apóstolos. 

Padre Boris enfatizou que o livro dos Atos dos Apóstolos é um dos que mais bem explicitam a dimensão da sinodalidade no Novo Testamento. “É interessante notar que o autor utiliza o termo caminho para definir a comunidade dos discípulos (At 9,2; 24,14), a doutrina (At 19,9.23; At 22,4; 24,22) e a via da salvação (At 16,17) ou do Senhor (At 18,25-26).” 

“As comunidades, com suas autoridades pastorais e guiadas pelo Espírito, vivem um longo processo de organização, de busca de comunhão e de unidade, entendido como o esforço de responder à convocação divina. Esse processo sinodal é marcado pela necessidade de discernimento permanente que permita testemunhar a comunhão no caminho feito junto e nas situações decisórias exigidas diante de dificuldades pontuais e da convivência das diferenças étnicas e culturais”, acrescentou o Perito do sínodo arquidiocesano. 

Assim, continuou o Padre Boris, a sinodalidade se caracteriza, segundo o livro dos Atos dos Apóstolos, na convicção de que a presença do Ressuscitado é atualizada pelo Espírito Santo no caminho das comunidades, desde Jerusalém até os confins do mundo (cf. At 1,8). “É o Espírito que qualifica a vida de todos os batizados para, no exercício da corresponsabilidade e da participação, responderem juntos, fiéis e pastores, com coerência ao chamado do Senhor. Por isso, a experiência da sinodalidade será sempre um caminho aberto que exigirá da Igreja, em todos os tempos, a coragem de viver, na história, um testemunho maduro e dinâmico capaz de ser sinal de comunhão e unidade”, completou. 

FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS 

Cônego José Arnaldo Juliano dos Santos, perito do sínodo arquidiocesano, convidou o clero a refletir sobre o que a Igreja pode dizer a seu próprio respeito. Para isso, o Sacerdote partiu das referências do Concílio Vaticano II e de documentos pós-conciliares, como a encíclica Ecclesiam suam, na qual São Paulo VI sublinhou a necessidade de a Igreja tomar consciência de si mesma. 

“Somos a Igreja à qual foi confiado o depósito sagrado da Palavra de Deus (Sagrada Tradição e Sagrada Escritura); e que se mantendo fiel a este depósito, todo o povo santo, unido aos seus pastores, persevera assiduamente na doutrina dos apóstolos, na união fraterna, na fração do pão e nas orações (cf. At 2,42s), de tal modo que, conservando, praticando e professando a fé transmitida, haja singular unidade de espírito entre os pastores e os fiéis”, destacou o Perito. 

Nesse sentido, Cônego José Arnaldo enfatizou que os ensinamentos da Sagrada Escritura e da Sagrada Tradição atestam que a sinodalidade é dimensão constitutiva da Igreja, que por meio dela se manifesta e se configura como povo de Deus em caminho e assembleia convocada pelo Senhor Ressuscitado. “O povo de Deus tem por vocação ‘ser sinodal’”, completou. 

Em seguida, o Perito acrescentou que as categorias teológicas que fundamentam a dimensão constitutiva da Igreja – a sinodalidade – não designam um simples procedimento operativo, mas a forma peculiar na qual a Igreja vive e atua. 

Tais categorias são: o mistério de Deus Uno-Trino e seu desígnio de amor e salvação; o mistério da Encarnação do Verbo, plenitude da Revelação divina; o mistério da Igreja, ícone da Trindade, corpo místico de Cristo e povo de Deus, comunhão. 

“Para se viver a comunhão, não basta a intenção. É numa comunidade localizada que se vive a comunhão. Daí o Concílio Vaticano II expressar o grande valor da Igreja Particular e suas comunidades eclesiais, o grande valor das Igrejas Particulares e a comunhão com o Bispo de Roma – para que esta comunhão seja ‘sinal’ visível do desígnio de Deus para com toda a humanidade. É da vida em comunhão que se toma consciência da missão fundamental da Igreja no mundo: evangelizar”, completou o Cônego. 

CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA 

A necessidade de conversão pastoral e missionária diante da interpelação trazida pelo sínodo arquidiocesano foi o tema apresentado por Dom Cícero Alves de França. 

O Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Belém lembrou que toda conversão pastoral e missionária supõe, antes, a conversão a Cristo, ao Evangelho e à missão. Segundo ele, a exortação apostólica Evangelli nuntiandi, de São Paulo VI, diz que a conversão é uma modificação profunda do modo de ver e de viver as situações, o que requer, sobretudo, a conversão do próprio coração. 

“É preciso discernir em relação a dois impulsos: ou se vai em direção àquilo que se considera como riqueza ou em direção a Jesus. Assim, não se converte quem não experimenta a verdade em relação às suas riquezas. Converter-se é um chamado a viver”, exortou o Prelado. 

Dom Cícero também afirmou que a conversão pastoral é um processo, uma transformação integral, algo que acontece dia após dia, o abandono de um caminho em direção a outro. É, antes de tudo, segundo ele, a conversão a Jesus Cristo, que se dá em primeira e em terceira pessoa, ou seja, conversão pessoal e comunitária. Esta somente é possível se a primeira ocorrer, uma depende por completo da outra, pois os destinatários da ação pastoral são as próprias pessoas e não anjos. 

Ele ainda frisou que toda conversão supõe um encontro. Este, porém, não é uma simples aproximação pessoal, mas um laço ontológico e espiritual. Por esse motivo é que não existe conversão sem o encontro pessoal com Cristo, e a missão da Igreja é justamente promovê-lo. 

Todo encontro é um ato de misericórdia e eleição, exatamente o lema do Papa Francisco. Tanto a conversão pessoal quanto a pastoral se fundam na experiência de Deus e implicam escutá-lo com atenção e discernimento. 

“A conversão pastoral é um convite para que nossas comunidades se tornem espaços que congreguem discípulos e missionários, pois ninguém é missionário se não for, antes, discípulo”, sublinhou Dom Cícero. 

MISSÃO DOS PÁROCOS 

Dom Rogério Augusto das Neves, Bispo Auxiliar da Arquidiocese na Região Sé, apresentou uma reflexão sobre a diocese e a paróquia como expressões eclesiais chamadas a viver a sinodalidade. 

Ele recordou que a Igreja se torna visível na diocese e na paróquia, comunidade de comunidades. Em seguida, abordou os fundamentos canônicos da missão do pároco, pastor próprio da paróquia, responsável pelo cuidado pastoral da comunidade a ele confiada para exercer o múnus de ensinar, santificar e governar. 

“O pároco tem a obrigação de fazer com que a Palavra de Deus seja integralmente anunciada aos que vivem na paróquia; deve, portanto, cuidar para que os fiéis sejam instruídos nas verdades da fé, principalmente por meio da homilia, que deve ser feita aos domingos e nas festas de preceito, e mediante a instrução catequética que se deve dar. Deve estimular obras que promovam o espírito evangélico, também no que se refere à justiça social. Deve ter especial cuidado com a educação católica das crianças e jovens. Deve procurar com todo o empenho, inclusive associando a si o trabalho dos fiéis, que o anúncio evangélico chegue também aos que se afastaram da prática da religião ou que não professam a verdadeira fé (Código de Direito Canônico, cân. 528 § 1)”, destacou. 

Dom Rogério recordou, ainda, que o Direito Canônico enfatiza que o pároco deve cuidar que a santíssima Eucaristia seja o centro da comunidade paroquial dos fiéis; deve empenhar-se para que os fiéis se alimentem com a devota celebração dos sacramentos e, de modo especial, que se aproximem frequentemente do sacramento da Santíssima Eucaristia e da Penitência. “Deve esforçar-se também para que sejam levados a fazer oração em família, e participem consciente e ativamente da sagrada liturgia. Sob a autoridade do Bispo diocesano, o pároco deve dirigir a liturgia na sua paróquia e é obrigado a cuidar que nela não se introduzam abusos (Código de Direito Canônico, cân. 528 § 2)”, completou. 

“Para cumprir diligentemente o ofício de pastor, o pároco deve se esforçar em conhecer os fiéis entregues a seus cuidados. Por isso, deve visitar as famílias, participando das preocupações dos fiéis, principalmente de suas angústias e dores, confortando-os no Senhor e, se tiverem falhado em alguma coisa, corrigindo-os com prudência”, continuou o Bispo, reforçando, ainda, que o pároco: 

“Deve ajudar com exuberante caridade os doentes, sobretudo os moribundos, confortando-os solicitamente com os sacramentos e recomendando suas almas a Deus. Especial cuidado deve dedicar aos pobres e doentes, aos aflitos e solitários, aos exilados e aos que passam por especiais dificuldades. Deve empenhar-se também para que os esposos e pais sejam ajudados no cumprimento de seus deveres; deve incentivar na família o crescimento da vida cristã” (Código de Direito Canônico, cân. 529 § 1). 

Por Fernando Geronazzo e Padre José Ferreira Filho

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